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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Rapidinhas do Capita


"E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?" já perguntava uma música da Legião Urbana lá nos anos oitenta.
Mas a realidade é que existe razão nas coisas feitas pelo coração. Se não existisse, a Lisiane e o Rafael teriam se conhecido casualmente em um canto qualquer da vida e teria ficado por essas.
A Lisiane seria só mais uma moça linda que o Rafael via e depois esquecia. O Rafael seria apenas mais um sujeito de aparência mediana e olhe lá que olhava a Lisiane com interesse.
Eles teriam seguido cada um o seu caminho e não teriam mais se falado.
Mas não. O fato de ela ter medos hilários, de gostar de fazer palavras cruzadas, de passar a madrugada em claro nos finais de semana e de usar produtos de beleza com nomes maneiríssimos criou, não apenas mais interesse por parte de Rafael, mas uma coisa importantíssima chamada afinidade.
Foi isso que colocou Lisiane e Rafael no caminho um do outro.
Afinidade. Empatia. Um carinho profundo, e, claro, muita atração física.
Ao menos de parte dele.

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E o Sérgio? O Sérgio acordou de manhã com a maior de todas as ressacas do mundo. Gosto de cabo de guarda-chuva na boca, dor de cabeça, meia soquete do grêmio, um sapato preto de bico fino em um dos pés e um All Star azul-marinho no outro, de cuecas tipo sunga azul-pavão e uma camiseta do Araketu do carnaval de 1997. Na cabeça tinha um boné laranja néon daqueles aplicados à uma peruca loira bem clara fazendo parecer que ele tinha cabelos loiros e longos. Ao olhar em volta, percebeu que estava em um motel, mas motel daqueles bem fuleiros, com cama de colchão de espuma sem forro e lençóis quase transparentes de tão gastos. Nervoso, saiu vasculhando o quarto acanhado à procura de pistas que revelassem como ele fora parar ali, com quem, e em que circunstâncias.
Lembrava-se vagamente de estar em um bar... Isso era óbvio. E de ter tomado todas. Isso também era óbvio. Lembrou-se, subitamente de uma loira. Sim, uma loira alta. Corpulenta. Coxas colossais. Era bonita...? Ele não sabia dizer com certeza. Quando ela apareceu ele lembrava de os seus amigos terem assobiado e feito uma algazarra.
Ele foi até ela ou ela foi até ele? Não lembrava disso, também. Mas chegara com ela até ali, isso era certeza. Chegara com a loira ao motel, e agora acordara sozinho. Isso era um mau sinal.
Encontrou suas calças. Carteira, dinheiro, cartões. Tudo parecia OK. Por que a loira fugira, então?
O pânico tomou conta de Sérgio. Ele lembrou da lenda urbana da loira voluptuosa que arrastava um incauto para um motel, passava com ele uma noite de luxúria ímpar, e, no dia seguinte sumia deixando atrás de si apenas um recado escrito com batom:
Eu tenho AIDS, e agora você, também.
Foi com as pernas mais moles do que gelatina que o Sérgio andou, pé ante pé até o banheiro do quarto modesto. E, estendendo a mão virou a maçaneta gasta e oxidada, e abriu a porta com um leve empurrão.
Estava lá, o recado. Escrito em batom rosa vivo, mas o conteúdo do recado era diferente do texto da lenda urbana. Mas igualmente perturbador.
Sérgio caiu prostrado de joelhos ao chão como Charlton Heston ao encontrar os restos da Estátua da Liberdade em O Planeta dos Macacos.
Quando a arrumadeira da manhã chegou ao quarto, eparou-se com Sérgio deitado no carpete manchado abraçado aos joelhos, e atrás dele, o espelho do banheiro onde lia-se em caligrafia bastante clara escrito em cor de rosa:
"Me nome é Adamastor, eu sou gay. E agora, você também é."

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Wando morreu. Uma lástima. O Wando talvez fosse o último exemplar genuíno do galã escamoso de quermesse. Aquele cara que é tão, mas tão, mas tão óbvio nas suas características de sedutor de rodoviária que as mulheres acabam admirando-o, seja pela lábia, seja pela franqueza de seu romantismo de almanaque.
Wando, hoje, é um pouco mais luz, raio, estrela e luar. Mas menos iaiá e ioiô.

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