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terça-feira, 23 de setembro de 2014

"Ela" ou "Nós"?


-Mas e aí? - Ela perguntou esticando os braços pra frente. -Como é que tu passou o final de semana?
-Passei bem, e tu? - Ele respondeu, dando um abraço bem apertado nela.
-Bem, também. Fui pra Two Brothers. - Ela respondeu sorrindo e se desvencilhando do abraço dele.
Ele riu. Ela e ele faziam isso. Chamavam todas as cidades do interior por versões traduzidas de seus nomes. As vezes muito mal traduzidas, como Carazinho, que virava "Little Guy", e Espumoso, que virava "Foamy".
Ele continuou a conversa:
-E como estava a parentada?
-Ah... Aquela coisa toda de sempre. Mas bem bom. Eu sinto falta... Tu sabe...
-Zin, Zin, Zalabina... - Ele respondeu enquanto estendia a mão fazendo sinal para ela entrar no do restaurante.
-E tu? - Ela perguntou, após consultá-lo com os olhos a respeito da mesa em que deveriam sentar.
-Tudo na paz. Joguei RPG, videogame e futebol. - Ele respondeu enquanto puxava a cadeira dela. -Não necessariamente nessa ordem. - Acrescentou.
O garçom assomou sorridente, entregando os cardápios a ambos. Ela, de pronto, disse que queria um temaki, ele observou as figuras na folha plastificada por alguns segundos até se decidir por um combinado de salmão médio, escolhido mais pelo tamanho que tornava possível comer o prato em cerca de meia hora, o que garantia que a refeição coubesse no horário de almoço exíguo dele, do que por qualquer outra coisa.
Pediram as bebidas, ela Pepsi, ele Soda Limonada, e se puseram a esperar que os pedidos fossem atendidos.
-Tu tá muito bem... - Ele disse, cenho franzido, após olhar pra ela longamente.
Ela não respondeu. Deu um meio sorriso e fez uma careta de quem achou estranho.
-Sério. - Ele insistiu. -Tu tá muito bem... Tá bonita...
-Ah, normalmente eu sou feia? - Ela perguntou caindo na gargalhada.
-Não, besta... Mas tá diferente... Quase excessivo...
Ela riu.
-Tu não é lá muito bom nisso, mas obrigada pelo elogio. - Ela respondeu com pouco caso enquanto enchia o copo de refrigerante até a borda e pousava o nariz brevemente em cima dele.
Ele continuava olhando pra ela.
-Ai, para, "hôme" bobo! Tá me deixando angustiada... - Ela protestou.
-Tá, desculpa... Mas tu realmente tá muito bonita... Tá... Sei lá... Vistosa. Com um... Viço. Não sei... Tu... Tu tá apaixonada? Tá namorando...?
Ela se incomodou com a pergunta:
-Eu só fico viçosa e bonita quando tô namorando?
-Não... Não... É só... Sei lá. Normalmente quando tu tá apaixonada ou... Enfim... Tu fica mais radiante. Só isso.
-Então - Ela disse, baixando o copo sobre a mesa -Tu quer saber se eu dei pra alguém? É isso?
-Não. - Ele respondeu muito sério. -Não é da minha conta.
Ficaram os dois em silêncio por algum tempo. Ela, sabendo que quando ele se emburrava a coisa ia longe, resolveu ser a melhor pessoa e quebrar o gelo:
-Porque eu não dei...
-Quê? - Ele perguntou, fingindo não ter entendido, mas sabendo exatamente do que ela estava falando.
-Eu não saí com ninguém. Nem tô apaixonada. Nem nada do tipo... Esse viço e essa qualidade radiante devem ser fruto do meu final de semana em família... Não fui pra lá pra encontrar ex-namorados. Isso eu faço aqui. Nem procurar um novo...
-Isso tu faz onde? - Ele perguntou sorrindo, tentando deixar claro que era brincadeira, uma tentativa de deixar a conversa mais leve.
-Eu não faço. - Ela disse. -Não agora. Não tô no pique. Fiquei namorando pelas razões erradas por muito tempo. Não preciso disso. Me viro sozinha. "Eu me basto", como me disse, certa vez, o nerd meia-boca mais autoconfiante do mundo.
Ele sorriu ao reconhecer a frase.
-Bom... Pelo menos quando tu diz que se basta faz sentido...
Ela sorriu. Puxou uma perna pra cima da cadeira e poiou o queixo no joelho.
-É engraçado, não é? A gente fala e faz tanta coisa... Acho que todo mundo, no fundo, acredita que tem um grande amor pra viver por aí... Mas a real é que o amor da nossa vida, no final das contas, é a gente mesmo e só...
O garçom assomou, colocando o cone de algas e peixe cru diante dela, e uma pequena bandeja preta repleta de sushis variados diante dele. As duas tigelinhas para o shoyu, os hashis, e se retirou.
Ele abriu o envelope de plástico dentro da qual estavam os palitinhos, mas parou:
-Sabe... -Eu acho que o senso de auto-preservação é muito forte na gente... E acredito que, pra maioria de nós... Ele fala mais alto. Mas... Sabe... Hoje mesmo, eu vi a notícia de um moleque que entrou na jaula de um tigre na Índia, e acabou sendo comido pelo bicho. Isso, por si só, comprova que nem todo mundo tem esse senso de auto proteção tão desenvolvido... De uma forma ou de outra... A questão que eu quero te expôr é que... Sabe, eu não acho que o amor da tua vida possa ser tu mesmo... Pra mim, o amor da nossa vida, é aquela pessoa que nos encoraja a abrir mão da auto-preservação. É a pessoa que te encoraja a fazer o possível e o impossível pra fazer ela feliz. Que te incita a mover mundos e fundos pra estar com ela, e ser tudo o que ela precisa. Isso é o amor da tua vida.
Ela o encarou.
-Entendi... - Ela mordeu o lábio inferior. -Mas... Deixa eu te perguntar uma coisa: E se o amor da tua vida faz tudo isso... O quê explicaria tu mandar ela embora? Tu ser o amor da vida dela, e ela não ser o da tua?
Ele fechou a cara num bico... As sobrancelhas denunciando o desgosto. Engoliu em seco enquanto pegava os hashis com a mão esquerda e apanhava uma fatia de sashimi. Enquanto levava a peça à boca, deteve-se:
-Talvez tu soubesse que ela era o amor da tua vida, mas ao mesmo tempo entendesse que não era a pessoa de quem ela precisava. Aí, tu faz o sacrifício. Tu entra na cova dos leões, e abre mão da tua felicidade em nome da dela. Tu sabe que ela é o amor da tua vida, quando "ela" é mais importante que "nós".
Ela não disse nada. Ficou séria olhando o temaki. Mas ele não queria deixá-la triste, então ergueu o copo e propôs um brinde "à essa merda toda.".
Ao que ela correspondeu erguendo o copo e sorrindo.
No final das contas, sobreviveriam os dois. Eram bons nisso.

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