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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Resenha Cinema: Kóblic


Que na comparação com o cinema Argentino o cinema brasileiro engatinha todo mundo já sabe. A razão para isso acontecer é que é o grande mistério.
Tudo bem que se a gente for medir o cinema brasileiro por coisas como os filmes do Casseta & Planeta, do Porta dos Fundos, do Leandro Hassum e dos humorísticos da Globo, a comparação fica indigesta, a mesma coisa vale pros favela movie e pros filmes de sertão... São todas ambientações desgastadas que acabam inevitavelmente se sobressaindo ao filme em si... No geral, o cinema brasileiro parece mais interessado em oferecer um veículo para um "ator" ou criar um retrato de alguma coisa do que em contar uma história, e já que cinema é, em seus melhore momentos, narrativa, talvez isso explique porque o nosso cinema, salvo algumas exceções, é tão ruim.
Já os Argentinos não parecem tão preocupados com isso. Seu cinema é, fundamentalmente, usado pra contar histórias, e a ambientação é secundária. Suas tramas poderiam ser transportadas de Buenos Aires para qualquer outra cidade do mundo e não faria nenhuma diferença, salvo, também, algumas exceções.
Um exemplo recente é O Segredo dos Seus Olhos, que ano passado virou Os Olhos da Justiça nos EUA e se provou uma violenta porcaria quando despido da ambientação durante a ditadura militar argentina, parte fundamental da trama.
O caso de O Segredo dos Seus Olhos provavelmente é o mesmo de Kóblic, que usa o mesmo pano de fundo da ditadura militar argentina em seu mais sanguinário período.
Entre mil novecentos e setenta e seis e mil novecentos e oitenta e três, os militares assassinaram cerca de trinta mil civis, muitos dos quais os corpos jamais foram encontrados, em grande parte por conta da criatividade dos militares para as execuções, que além dos prosaicos fuzilamentos e torturas até a morte, praticavam modalidades de assassínio como amarrar um grupo de prisioneiros e dinamitá-los, ou os voos da morte, onde arremessavam as pessoas vivas de dentro de aviões sobre o Rio da Prata ou o Oceano Atlântico.
O ano é 1977, e Tomáz Kóblic (Ricardo Darín) é um oficial da Marinha e piloto de avião que participa de uma missão do tipo, mas vê-se incapaz de completá-la.
Hostilizado por agentes do regime, Kóblic foge para o interior da Argentina, no vilarejo de Colônia Elena, onde se esconde com a ajuda de um amigo trabalhando com pulverização de lavouras.
O problema para Kóblic é que em uma cidade tão pequena, sua presença não passa despercebida, e logo o corrupto delegado local Velarde (Oscar Martínez, de Relatos Selvagens) começa a ficar intrigado com a presença de Kóblic, especialmente após descobrir que ele é um militar.
A presença do misterioso forasteiro não passa despercebida, também, para Nancy (Inma Cuesta), funcionária do posto de gasolina local que vê em Kóblic uma chance de escapar de um relacionamento abusivo.
Não tarda para que Kóblic se veja acossado por Velarde, envolvido com Nancy, e precisando lidar com os próprios demônios em uma estrada inexorável rumo à violência que o capitão tentava deixar para trás.
Embora o filme de Sebastian Borensztein (de Um Conto Chinês) tenha sérios problemas de edição, e incômodas lacunas no roteiro (Co-escrito por Borensztein e Alejandro Ocon), Kóblic também tem sua leva de acertos.
Darín é um tremendo ator, e sua abordagem para o atormentado capitão Kóblic é acertadamente contida, como caberia a um militar de carreira às portas da aposentadoria.
O modo como o ator retrata o sofrimento e a culpa de Kóblic é cirúrgico, baseando-se em olhares vazios e pequenos gestos para retratar seu tormento interior de maneira discreta e crível.
Outro que se dá bem é Oscar Martinez interpretando Velarde. Usando uma peruca e dentes postiços aliados à uma postura curvada e voz suja o ator que interpretou um milionário em Relatos Selvagens está irreconhecível, interpretando uma das mais abjetas facetas da lei, baseada no amiguismo e no apego às próprias vantagens, mas conseguindo ir além da mera caricatura em certos momentos, como ao descobrir a verdadeira natureza da relação entre Nancy e o dono do posto de gasolina.
Nancy, por sua vez, é uma personagem prejudicada. Inma Cuesta não tem muito com o que trabalhar, já que é pouco mais que um acessório do roteiro no papel da típica mocinha.
Apesar de tratar de elementos tão distintos quanto abuso de poder, a ditadura militar, direitos humanos e os demônios e desejos pessoais de um homem, e misturar gêneros como faroeste, suspense e filme de guerra Kóblic consegue a proeza de, por vezes, ser arrastado em seus 97 minutos de projeção.
Há furos inexplicáveis no roteiro (qual era o "esquema" de Vilarde com o coronel do exército?), e a edição, por vezes é atabalhoada, ainda assim, Kóblic é um filme interessante, abordando por um viés diferente uma das mais negras manchas da história da Argentina (e da América do Sul como um todo), infelizmente é difícil não imaginar que, nas mãos certas, o longa poderia ter alçado voos bem mais altos.

"-Achei que já não me considerassem mais uma pessoa honorável..."

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