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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Resenha Blu-Ray: O Bom Gigante Amigo


Roald Dahl é o escritor por trás de pérolas da literatura infantil tais como Matilda, James e o Pêssego Gigante e A Fantástica Fábrica de Chocolate.
Steven Spielberg é um dos cineastas fundamentais de nosso tempo, e o diretor de longas como E.T. - O Extraterrestre, Jurassic Park e Império do Sol.
Era de se esperar, portanto, que uma adaptação de Dahl por Spielberg, fosse ser um deleite infantil ímpar, algo diante do qual colocar os filhos na certeza de que eles irão se maravilhar, e, por que não, um produto capaz de fazer os adultos relembrarem como era bom ser criança.
E essa amálgama de talentos surgiu na forma de O Bom Gigante Amigo, uma história de Dahl que inclusive já tinha uma premiada adaptação animada datada de 1989 que ganhou uma versão (mais ou menos) em live action pelas mãos de Spielberg nesse ano.
Por mais que eu soubesse que O Bom Gigante Amigo poderia ser um ótimo filme, porém, eu não o assisti no cinema.
Como todo mundo já deve saber, filmes infantis são virtualmente impossíveis de se encontrar em versão legendada em Porto Alegre nesses dias, e o trailer do longa atestava a má qualidade da dublagem em português, de modo que resolvi esperar para conferir o longa no lançamento em home-video, o que aconteceu na semana passada.
Em O Bom Gigante Amigo conhecemos Sophie (Ruby Barnhill).
Sophie é uma órfã de dez anos de idade que mora em um abrigo para meninas em Londres.
Solitária e aventureira, Sophie vaga pelo orfanato nas horas altas da madrugada procurando livros para ler em sua cama driblando a cruel monitora do local.
É durante uma dessas incursões insones da madrugada que Sophie presencia da sacada da instituição uma grande figura que se move nas sombras do beco próximo.
Sophie percebe a criatura e a criatura a percebe de volta, e não tarda para que a menina seja abduzida de sua cama por uma mão gigante e levada em uma trouxa de cobertores por toda a Inglaterra e além, até uma caverna onde descobre que seu captor é um gigante de mais de oito metros de altura.
Todavia, contrariando seus temores iniciais, o tal gigante não é uma fera devoradora de gente, mas um ser gentil, solitário, algo triste e, embora um tanto atrapalhado com as palavras, inteligente e sábio.
Um Bom Gigante Amigo, conforme ele foi chamado durante algum tempo, e a quem Sophie passa a se referir como BGA (interpretado pelo vencedor do Oscar Mark Rylance através da melhor captura de performance que eu já vi sem o envolvimento de Andy Serkis).
Sophie também aprende que está no País dos Gigantes, onde o BGA vive com outros nove gigantes que têm nomes bem menos amistosos, como Comecarnecrua, Esmagamão e Estripapai, e, pra piorar, são bem maiores do que o BGA, e o atormentam com brincadeiras cruéis por ser menor e vegetariano, se alimentando exclusivamente de xuxubobrinhas, um vegetal de sabor indigesto, e da bebida que se faz a partir da fermentação das xuxubobrinhas, e não de carne humana como seus pares.
Enquanto os demais caçam crianças para comer durante as noites, o BGA caça e molda sonhos, e depois os leva à cidade onde os lança em crianças adormecidas.
E se inicialmente Sophie quer sair do País dos Gigantes o quanto antes, logo ela está junto com o BGA na Terra dos Sonhos caçando as pequenas luzes oníricas que voam entre árvores às margens de um lago, e as armazenando em potes de vidro para serem moldadas mais tarde.
A dupla não demora a formar uma poderosa amizade.
Tão poderosa que, quando os demais gigantes descobrem que o BGA está mantendo uma criança em sua casa e passam a ameaçar sua segurança, Sophie bola um audacioso plano para convencer a rainha da Inglaterra a ajudá-los.
Eu vi um bocado de críticas negativas a O Bom Gigante Amigo, e após assistir ao filme, devo supôr que os autores de tais críticas não entenderam que o longa é um filme infantil.
Quem acha que todo o filme infantil deve ser Pixar não vai conseguir aproveitar, mesmo o longa.
Ele é parado, contemplativo, com eventuais sequências de ação minimalista daqui, arroubos de inocente comicidade daqui, em uma trama vagamente episódica que, de fato, não prima pela agilidade.
O Bom Gigante Amigo se dá ao luxo de parar pra que os protagonistas troquem histórias ou para que um sonho seja contado através de sombras projetadas na parede, ou freia seu clímax para fazer piadas de peido com a rainha da Inglaterra e que, devo dizer, são as mais inocentes piadas de peido que eu já vi, e provavelmente as únicas que me fizeram rir desde Banzé no Oeste.
Aqueles que ainda são capazes de lembrar como era ter oito, nove ou dez anos de idade, irão se maravilhar com a história de Sophie e BGA, dois excluídos, cada um a seu modo, que encontram um no outro coragem para dar um passo adiante.
O Bom Gigante Amigo é um veículo para a relação entre os dois personagens centrais, e todo o resto é secundário, Spielberg e a roteirista Melissa Mathison estão mais interessados na interação dos dois do que em reviravoltas e subtramas.
Graças às performances de Rylance e Barnhill, por sinal, é justamente a relação entre esses dois amigos inesperados que permanece quando o filme termina.
A competência de Spielberg em escalar e dirigir crianças não é novidade, e a jovem atriz mirim é excelente retratando a órfã insone e teimosa que não tem medo da hora das bruxas ou de bicho papão, e que é introspectiva a ponto de preferir varar madrugadas lendo livros enquanto as outras crianças dormem, mas carece de um amor verdadeiro e confiável em sua vida.
Rylance também dá show como o BGA, e ainda que nós olhemos pra tela e vejamos um gigante de oito metros de altura com enormes orelhas de abano, também conseguimos ver a atuação do intérprete britânico em todos os gestos e expressões.
Esses dois são colocados em um mundo fabulesco criado com o que há de melhor na indústria cinematográfica, dos efeitos visuais da ILM à belíssima fotografia de Janusz Kaminzki carregada de cores vivas e brilhantes, e toda a parte técnica é um brinco, embora a trilha sonora de John Williams seja um pouco intrusiva.
No elenco, ainda há espaço para Jemaine Clement, Bill Hadder, Adam Godley, Ólafur Darri Ólaffson, Rafe Spall e Rebecca Hall além de uma inspirada participação de Penelope Wilton como a Rainha.
Repleto de magia e inocência, O Bom Gigante Amigo pode não ser um trabalho à altura dos melhores de Spielberg, mas é um filme tocante e carregado daquela qualidade lúdica que o cineasta sempre esbanjou em seu trabalho.
Parafraseando Marty McFly, talvez "você não esteja pronto pra isso. Mas seus filhos vão adorar.".
Certamente vale a locação.

"-Por que você me pegou?
-Porque eu ouvir seu coração solitário em meio a todos os sussurros secretos do mundo."

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