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terça-feira, 17 de julho de 2018

Mares Calmos


Nunca me considerei uma pessoa de paixões.
Nunca.
Jamais fui capaz de fazer como aquelas pessoas descoladas que, quando pedidas que se definam em uma palavra dizem "um apaixonado".
Não sou.
E não vou mentir.
Jamais quis sê-lo.
Se eu pudesse me aplicar um rótulo com gosto, se tem uma palavra que eu almejaria adicionar ao meu nome seria "pensador". E isso, eu acho, denota certa frieza, ou no mínimo uma qualidade algo morna na minha personalidade. E ser morno, me disseram mais de uma vez, é horrível... Mas não posso evitar. Não sei ser quente. Apaixonado. Repleto de ardor e de paixão. Então, pra tentar não ser morno, eu tento esfriar.
Parece mais seguro do que ser um apaixonado.
Que o apaixonado, já diria o Raça Negra "faz o que não deve e escreve sem ler"... Em suma, não pensa antes de fazer as coisas. É faculdade do apaixonado ser movido por emoções, e não por lógica, que lógica não é luxo pra quem tem ínsula e estriado bombardeados por impulsos elétricos da mais diversa ordem ante o objeto de sua afeição.
Eu jamais gostei de ser movido por emoções. Sempre procurei me pautar por raciocínio. Pesar, ponderar, classificar e apenas após escrutínio criterioso, decidir, de preferência, sem arroubos de emoção.
É um sistema seguro, estável e funcional, que eu sei, são adjetivos que queremos ver ligados a utensílios domésticos, não à pessoa com quem escolhemos passar a vida. Mas é justamente essa abordagem racional que me ajuda a manter a cabeça no lugar quando as coisas parecem prestes a desmoronar ao meu redor.
Um dos lados negativos é que as pessoas pensam que tu não te importa o suficiente. Outro, é que tu te transforma em uma espécie de ponto de referência. Tu passa a ser a pessoa que "se aguenta", que "tá tranquilo", com quem se pode contar na hora da atribulação.
Não são rótulos que me incomodam. Na verdade é um papel que até me agrada, embora, por vezes, canse um pouco por conta do pacote de demandas que o acompanha. Em momentos quando os problemas são frequentes e essas demandas se empilham, especialmente.
Porque enquanto os outros estão "sem cabeça pra lidar com isso", eu ainda tenho a minha. E, teoricamente, posso lidar com tudo.
Quando ela e eu nos conhecemos eu estava no que talvez fosse o momento mais turbulento que eu já vivera.
Sempre havia alguma cobrança, tarefa ou preocupação. E, eu não vou ser dramático a ponto de dizer que "eu cheguei a pensar que não fosse aguentar", porque não é verdade.
Eu sempre soube que aguentaria. E que em algum ponto, tudo aquilo iria passar.
A doença da minha mãe... O câncer e a demência senil da minha vó... O surto do meu amigo... Tudo eventualmente encontrou seu rumo e as coisas voltaram à normalidade.
O ciclo se fechou e a vida seguiu.
E, olhando em perspectiva, aquele momento ser tão turbulento pode ter feito eu ser negligente com certos aspectos da vida que, então, pareciam menos urgentes... Pode ter feito eu não dar a atenção devida pra nós dois. Pode ter me afastado em momentos em que ela precisava de mim por perto, ou apenas me queria por perto...
É possível, não é? Que, assoberbado por outras obrigações, eu tenha sido relapso.
De qualquer forma, as coisas estavam relativamente tranquilas nos últimos tempos... E então, do final do ano passado pra cá, uma nova série de complicações, tristezas e problemas começou a se suceder.
De novo eu me vejo assoberbado por tarefas que se empilham acima das minhas obrigações habituais e, ainda que saiba que é passageiro, que as coisas irão se normalizar e a vida seguirá seu curso, eu me canso.
E bem nesse momento, ela ressurge no meu caminho. Porque da minha mente e do meu coração ela jamais saiu.
E eu não pude deixar de relacionar isso... O momento que eu vivo, e a volta dela, a algo que ela me disse:
Que ela tumultua a minha vida.
E seria tentador fazer a correlação simples: Momentos atribulados e sua presença, e chegar à conclusão de que ela está certa. De que quando ela aparece, minha vida fica tumultuada.
Mas eu, após pesar, ponderar e classificar com escrutínio criterioso, cheguei à uma conclusão diferente. Uma mais condizente com o calor no meu peito sempre que recebo um sinal:
Ela não tumultua minha vida. Ela aparece quando a minha vida está tumultuada, me acalenta e me conduz a mares calmos.

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