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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Carpintaria (e amor eterno) para Iniciantes


Limpou o suor que lhe escorria da testa com a palma da mão direita. Ato contínuo, secou a palma suada da mão no peito da camiseta que vestia. Suspirou, e apanhou novamente o manual de montagem da peça de mobiliário que jazia semi-conclusa no tapete da sala.
Estava tudo certo?
Parecia tudo certo. Os pés estavam no lugar... A base fora afixada corretamente... A porta do compartimento abria e fechava... A peça treze. Onde estava a peça treze? Virou-se, de cócoras, procurando o retângulo vermelho de vinte e cinco por dezoito centímetros com duas aberturas para os pinos girofix, uma abertura para tambor girofix, quatro clavilhas de madeira e dois parafusos... Encontrou.
Apanhou os parafusos, todos perfilados sobre a folha que mostrava o tamanho e quantidade de cada uma das peças do conjunto e os colocou junto da peça treze. Apanhou, com um meio sorriso, sua novíssima parafusadeira, e a acelerou brevemente, por duas vezes, ouvindo o "zun-zuun" que o motor elétrico produzia.
Lamentava ainda não ter uma daquelas na tarde do dia anterior, quando passara horas apertando parafusos com chave de fenda, uma tarefa inglória para alguém que, naquela semana, vinha sendo acometido por dores no pulso. A dor era tanta no final do dia, que foi até o shopping e comprou a ferramenta elétrica.
Posicionou a peça número treze colocou o primeiro parafuso no lugar, e fez, à mão, os primeiros giros para garantir que a peça de aço estava dentro da madeira. Escolheu, com cuidado, a ponta correta, tipo Phillips, e posicionou a ponta junto à cabeça do parafuso para, com firmeza, empurrar a ferramenta de encontro ao parafuso enquanto acelerava.
Viu, com gosto, o parafuso afundar aos giros madeira adentro, pensando que, com aquela ferramenta em mãos na tarde anterior, já estaria, à noite, com o móvel devidamente montado. Pensava nisso quando percebeu que o parafuso parara de avançar. Impôs mais força, sentindo, novamente, o suor brotar-lhe da fronte.
Nada.
Burfou. Trocou a ponta da parafusadeira por uma tipo fenda que coubesse na cruz da cabeça do parafuso. Apoiou com vigor a ferramenta no lugar e acelerou novamente pressionando a ferramenta contra o parafuso com força.
Pouco a pouco a peça foi entrando na madeira. Milímetro... Por... Milímetro... Parou.
Ainda faltava um pouco. Um mínimo... Tecnicamente o parafuso estava afixado, mas ele não gostava daquele pequeno espaço entre a cabeça do parafuso e a madeira. Era mínimo, ele vira, perceptível apenas pelo tato, mas ele queria que ficasse perfeito.
Largou a parafusadeira de lado, e apanhou a chave de fenda. Agachou-se diante do móvel parcialmente montado e virou a cabeça procurando a cabeça do parafuso para posicionar a chave e terminar, manualmente, o serviço.
Ah, não...
O parafuso espanara.
A cruz da cabeça do parafuso convertera-se em um círculo perfeito, redondo como uma pupila, sem nenhum ponto que pudesse servir como apoio para uma chave de qualquer espécie.
Tinha duas opções: Deixar como estava e conformar-se com o fato de que estava bom o suficiente, que o parafuso estava firme, e que dificilmente precisaria desmontar aquele móvel novamente, então sem problema o parafuso ter-se tornado inamovível pela deformação, especialmente porque o parafuso em questão ficaria oculto sob o tampo do móvel, indetectável exceto sob profundo escrutínio... Ou começar a realizar os procedimentos de remoção de parafusos espanados, que, de modo geral, incluía borracha, ou a parte verde de uma esponja, ou um alicate e um bocado de força.
Não conseguiu resistir. Após duas tentativas frustradas com a esponja e uma chave de fenda, apanhou um alicate e forcejou contra o parafuso, removendo-o por inteiro.
Foi até a caixa de ferramentas e encontrou um parafuso mais ou menos do mesmo tamanho do que inutilizara acidentalmente, e substituiu a peça, tomando cuidado, dessa vez, para que a parafusadeira não o arruinasse.
Ao terminar, o suor escorria-lhe pelas costas, testa e peito. Pensou em descansar um momento, talvez fazer uma pausa para o almoço, mas decidiu não. Continuou trabalhando por mais meia hora até concluir a montagem e poder, finalmente, instalar a TV que comprara na black friday.
Evitou pensar no fato de que, entre o rack novo que fora forçado a comprar e a parafusadeira, os quinhentos reais economizados na TV já haviam se diluído em boa parte. Apenas foi tomar banho, lavar roupas, e fazer o almoço.
Não sentiu nenhuma alegria particular enquanto assistia um filme na televisão nova, nem sentiu-se impelido a explorar todos os recursos da coruscante smart TV LED de 43 polegadas.
Não...
Apenas a achou muito clara. E maldisse o fato de que precisou lavar os óculos já que o brilho excessivo da nova tela evidenciava de maneira desconfortável a sujeira, antes imperceptível nas lentes.
Foi enquanto secava os óculos com uma toalha de rosto que deu-se conta de o quanto estava amargurado. E não soube deixar de estar. Nem se queria deixar de estar.
Mas se perguntou por que seria.
As coisas estavam mais calmas, agora. Mais tranquilas. Não havia grandes nuvens negras em seu horizonte. Pelo contrário. As coisas andavam relativamente bem. Tão bem quanto possível, ao menos.
Deu-se conta de que era.
Era saudade.
Saudade dela. De ouvir dela. De saber dela...
Era a abstinência do amor de sua vida que o deixava sorumbático e carrancudo.
Não pensou no ridículo da situação. Não pensou em como era desconfortável estar assim, tão desarmado com relação a alguém. Em como era precária sua situação, para precisar que outrem lhe apontasse o caminho do próprio contento. Porque de alguma forma, era natural que assim fosse. De alguma forma, fazia todo o sentido do mundo.
Talvez, dali a alguns dias soubesse dela. E então... Então veria-se alegre o bastante para brincar com o novo aparelho, experimentar-lhe as funções, ou apenas sorrir satisfeito diante do trabalho quase bem feito na montagem de seu novo móvel.
Sabia que, se tivesse uma palavra dela, assim seria. O sorriso dela era o mapa até o seu próprio.

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