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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Ideia de Coragem


Quando o sujeito de meia-idade, cabeça calva raspada, corte no supercílio, foi colocado na traseira da viatura da Brigada Militar, ele tinha uma expressão entre o aturdido e o resignado. Olhava apenas para a frente, sem encarar a multidão de transeuntes que parava para observar a comoção em meio à avenida Borges de Medeiros, no coração de Porto Alegre.
Funcionários da Imobiliária saíam à calçada e conversavam com brigadianos e com vizinhos contando da ocorrência, e foi num desses relatos que se pôde ouvir em detalhes a narrativa da tentativa de assalto que tomara lugar havia pouco.
O sujeito entrara na imobiliária como cliente, mas sacara uma arma para a recepcionista. Rendeu todos os funcionários e ordenou que se juntassem no almoxarifado, onde seriam trancados enquanto ele vasculhava o local em busca de dinheiro. No momento de trancar os funcionários no almoxarifado, porém, o pretenso assaltante derrubara a chave, e, ao abaixar-se para apanhá-la, os seus reféns perceberam tratar-se de um simulacro. A proverbial arma de brinquedo.
De posse de tal informação, os trabalhadores que superavam em número ao atrapalhado malfeitor não tiveram dificuldade para subjugá-lo e chamar a polícia que, então, o deteve.
Enquanto via o sujeito sendo preso, eu não pude deixar de me comiserar dele. Mesmo estando ciente de que, houvesse ele sucedido em seu intento, e efetuado o assalto, eu o estaria considerando um marginal digno de raiva, ao vê-lo preso e aturdido, flagrei-me apiedado do pretenso meliante. Porque me ocorreu que, para tomar parte em tão desastrada empreitada, assaltar uma imobiliária usando uma arma de brinquedo, uma pessoa deve estar, mais do que buscando dinheiro fácil, experimentando alguma forma de desespero.
E eu sei... Eu sei que aquele sujeito provavelmente não permaneceu preso, e hoje ou amanhã já deverá estar novamente nas ruas.
Eu sei que ele provavelmente não era um marinheiro de primeira viagem.
Eu sei que, se ele aprendeu alguma coisa com essa desventura, é bem factível que tenha sido sobre a necessidade de ter uma arma verdadeira para realizar seus assaltos e que em futuras venturas criminosas ele provavelmente será mais cuidadoso na hora de prender suas vítimas no almoxarifado e estará melhor equipado, e sei que posso ser, eu mesmo, sua próxima vítima.
Eu sei de tudo isso.
Ainda assim, sabendo de tudo isso, não pude deixar de sentir pena do sujeito.
E ainda que conheça muita gente, muita, muita gente, que discorde... Que gostaria que o assaltante trapalhão tivesse sido linchado na avenida... Que gostaria que a polícia o tivesse massacrado no ato... Que gostaria que ele tivesse sido preso e executado pelo Estado... Eu não acho que eu esteja errado.
Ontem, enquanto avaliava minha própria reação ao caso, confesso que senti uma ponta de orgulho. Porque nos dias de hoje é muito fácil se sentir uma vítima. Estamos sendo treinados pelas circunstâncias para ver algozes em potencial a cada esquina e tomamos decisões baseados na preocupação perene com a nossa segurança e a de nossos entes queridos.
Acabamos de eleger um presidente por conta de raiva e medo, uma decisão que muitos tomaram baseados na expectativa de que um Estado policialesco seja instaurado e recrie a segurança perdida e agora vemos a ascensão de um governo que se forma seguindo as diretrizes de um bizarro guru que vende cursos pela internet e publica livros que se tornam best-sellers ao vender viés de confirmação...
Vivemos em um mundo que se polariza e onde as pessoas decidem muito mais por temor e aversão do que por qualquer tipo de método.
Então, eu fiquei feliz por ser capaz de me apiedar de um meliante fracassado, mesmo sabendo que ele provavelmente não se apiedaria de mim, fosse eu uma de suas vítimas. Por ser capaz de praticar empatia por alguém que não fosse igual a mim.
Talvez porque eu seja um calhorda pretensioso com necessidade de me sentir superior, como me disse um conhecido. Ou, talvez, porque no momento em que o medo for maior que a compaixão, a minha ideia de coragem terá sido derrotada.

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