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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Resenha DVD: Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível


Vivemos em tempos burros. É algo que eu não me canso de repetir até porque não paro de presenciar. Eu, francamente, não acredito que a humanidade já tenha sido mais estúpida ao longo da História, e digo isso sabendo um pouco a respeito de História. Alguém inevitavelmente me lembrará de períodos como a Idade das Trevas e outros momentos famosos de obscurantismo e ignorância da existência humana, e eu concordo que há momentos da nossa espécie onde fomos muito, muito burros e particularmente malvados, mas, hoje em dia, com o tanto de informações que há disponível, ser imbecil é uma escolha que consciente, ou não, a maioria faz por livre e espontânea vontade, e não por imposição do Estado, do clero, ou de qualquer organização que seja...
Outra coisa que nosso momento atual tem em abundância, além de estupidez, é cinismo. E se um pouco de cinismo e sarcasmo são até interessantes quando acompanhados de inteligência, perfilados com burrice formam uma combinação dolorosa.
Eu começo essa resenha de Christopher Robin falando de burrice e cinismo porque o longa dirigido por Marc Forster e roteirizado por Alex Ross Perry, Tom McCarthy e Alisson Schroeder não tem nenhuma dessas duas coisas, mas pode ser uma presa fácil para ambas...
O longa abre com Christopher Robin tendo uma festa de despedida de seus amigos do Bosque dos Cem Acres. Christopher está chegando à idade de se juntar a um internato em Londres, e deixar a infância de brincadeiras em Sussex para trás rumo à vida adulta.
A despeito de suas promessas de que jamais esqueceria de Pooh, Tigrão, Ió, Leitão e os demais, Christopher vai, com o passar dos anos, sendo absorvido pela vida adulta. Entre escola, universidade, a Segunda Guerra e o casamento, Christopher Robin cresce, amadurece (ganha as feições de Ewan McGregor) e eventualmente deixa o Bosque dos Cem Acres bem para trás.
Anos se passaram, e Christopher Robin, casado com a arquiteta Evelyn (o pitéu Hayley Atwell) é, agora o gerente de eficiência de uma companhia que fabrica malas, a Winslow, e tem uma filha pequena, Madeline (Bronte Carmichael) com quem pouco interage.
É o pós-guerra e com o esforço de reconstrução da Europa poucas pessoas têm condições de sair de férias, de modo que os negócios vão mal para a Winslow.
Christopher tornou-se um homem assoberbado pelo peso das responsabilidades, pressionado por seu exigente chefe, Giles Winslow Jr. (O Mycroft Holmes Mark Gatiss), e que mal vê a esposa e nunca passa tempo com a filha, que pretende mandar para um internato.
Às vésperas de um final de semana em família há muito postergado, Christopher recebe a notícia de que terá que trabalhar no final de semana. Com os lucros da empresa caindo sistematicamente, é necessário fazer um corte de despesas, o que pode significar demissões. Temendo pelos empregos de seus colegas, Christopher se prepara para quebrar a cabeça na tentativa de manter os postos de trabalho na empresa enquanto Evelyn e Madeline viajam à cabana em Sussex para o final de semana sozinhas.
Enquanto Christopher Robin é tragado pelas responsabilidades de estar crescido, Pooh e companhia jamais o esqueceram.
O urso amarelo periodicamente ia até a entrada do bosque à espera de Christopher Robin sem jamais se deixar abater pela ausência do amigo. As coisas se complicam quando, uma certa manhã, Pooh não é capaz de encontrar nenhum de seus amigos para o desjejum. Temendo que eles possam ter sido apanhados por um Efalante ou uma Dinonha, o urso fica sem alternativa, sequer sair do Bosque dos Cem Acres em busca de ajuda.
Em busca de Christopher Robin.
Não tarda para que os dois ex-melhores amigos se reencontrem, mas se Pooh está felicíssimo em reencontrar Christopher Robin, a recíproca não é verdadeira. O trabalho cobra um alto preço de um adulto, e Christopher simplesmente não tem tempo para ajudar seu antigo bicho de pelúcia a encontrar o resto da patota. Ansioso para se livrar do súbito reencontro com o passado, Christopher decide viajar rapidamente até Sussex e devolver Pooh ao Bosque dos Cem Acres para poder se concentrar novamente no trabalho, mas descobrirá que, por mais que tente deixar sua infância para trás, ela não vai desistir dele tão facilmente.
É muito fácil torcer o nariz para Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível.
A mensagem é o manjado tema de que, de vez em quando, precisamos pisar no freio e aproveitar a vida. De que é sempre bom, e até necessário, manter viva a criança interior... E essas são mensagens sem lugar no nosso tempo. Quem pisa no freio é esmagado pelos que vêm atrás, e temos uma geração inteira de pessoas que simplesmente se recusam a crescer e que criaram até um termo para quando precisam cumprir alguma responsabilidade: "adulting".
Nesse cenário considerar Christopher Robin: Um Encontro Inesquecível um filme anacrônico e apontar seus clichês é lugar-comum na cartilha do crítico de cinema ácido e espertinho. O longa de Marc Forster demanda, mais do que suspensão de descrença, uma ternura que a maior parte de nós não tem em estoque.
Mas aqueles poucos que têm essa ternura guardada em algum recôndito da própria mente, seja porque é capaz de lembrar de como era mais fácil e aprazível ser criança, seja porque cantarolava o tema do Ursinho Pooh (na época Puff) para um animal de estimação muito querido, Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível é um deleite.
Sob a direção de Marc Forster e a lente do cinematógrafo Matthias Koenigswieser as pinturas de Ernest Shepard ganham vida, o campo britânico se torna ensolarado e aprazível, com clareiras iluminadas por uma calorosa luz dourado-pálida que invade Londres quando Pooh e seus amigos saem em busca de Christopher. Há alguma comédia pastelão, mas ela é contida e divertida, sem jamais se tornar mais veemente ou barulhenta do que deveria. Coisas como um urso de pelúcia andando com as patas sujas de mel por um tapete, ou um burro de pelúcia sendo resignadamente levado pela correnteza de um riacho são dosadas na medida para serem engraçadas de uma forma bonitinha, e não abrasiva.
Como a voz de Pooh, o trabalho de dublagem de Jim Cummings (que também faz a voz de Tigrão) é sublime. Um misto de nostalgia e conforto comparável a voltar a comer aquele bolo que a nossa avó fazia quando éramos pequenos depois de anos. Igualmente inspirado está Brad Garrett no papel de Ió em sua constante e adorável depressão.
Não há, porém, nenhuma dúvida de que Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível, tem como maior trunfo o seu protagonista.
Ewan McGregor torna a ansiedade e as responsabilidades do personagem título uma presença recorrente, aquela proverbial nuvem negra pairando sobre a cabeça do homem que precisa ser o provedor de sua casa e que esqueceu a criança que costumava ser. Ainda assim, o ator escocês também é um dos intérpretes com mais capacidade de transmitir alegria no cinemão contemporâneo, e quando ele retrata Christopher Robin voltando a se divertir com seu sorriso aberto e expressão de genuíno contentamento, nós também somos capazes de nos deleitar tanto quanto ele e o restante dos moradores do Bosque dos Cem Acres.
Basta se despir do cinismo.
Com roteiro comedido, linda fotografia, direção segura de um baita cineasta e ótimo trabalho de um grande elenco (que ainda conta com Nick Mohammed, Sophie Okonedo, Peter Capaldi e Toby Jones) Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível não é filme para burros e nem para cínicos. Todos os outros, porém, certamente serão capazes de se divertir (e possivelmente se emocionar) com esse belo reencontro entre um homem e sua infância, que, a despeito das eventuais lágrimas, deixa na boca um gosto doce igual a mel.
Um dos meus filmes preferidos desse ano.
Assista, vale a pena.

"-Eu não penso neles há anos.
-Bem, nós pensamos em você todos os dias."

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