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terça-feira, 12 de março de 2019

Dias Sombrios


Acordou de manhã ouvindo o toque lúgubre de seu despertador. Não era um toque de alvorada, sob hipótese alguma. Era uma marcha fúnebre, quiçá Il Silencio, de Nino Rosso... O toque melancólico o embalou para fora da cama, onde jazia nu como um recém nascido, pálido feito um cadáver.
Cambaleou pelo apartamento escuro, até o banheiro. Lavou a boca pegajosa, escovou os dentes e vestiu uma calça, sem roupa de baixo.
Encheu uma das mãos com água, e passou dentre os olhos até o topo da cabeça.
Ainda nas trevas, andou até a sala, abriu a veneziana e olhou pela janela. Percebeu o céu escuro e carregado, prenunciando a tormenta que avizinhava-se.
Foi tomado de frio.
Andou encarangado por dentro de casa até alcançar o guarda-roupa. Todas as peças eram negras. Camisetas, calças, camisas, casacos...
Sem muito o que fazer em termos de escolha, apanhou uma camiseta e um casaco pretos dos cabides, e um par de meias negras da gaveta designada. Uma vez vestido caminhou até a área de serviço, onde deparou-se com um varal preenchido unicamente por roupas negras, e agachou-se para pegar um dos três pares de sapatos pretos que jaziam no chão.
Calçou-os nos pés e saiu pela porta.
As luzes do corredor do prédio não se acenderam à sua passagem, e na rua, o tempo carregado e a luz esmaecida faziam até mesmo as cores da vegetação das praças parecer morta.
Ele caminhou segurando o casaco fechado e pensando porque sentia tamanho desconforto com a temperatura?
Geralmente era um amante de dias como aquele...
Perdido em pensamentos sequer se deu conta de que o tráfego e os transeuntes que o cercavam não faziam nenhum ruído.
Chegou ao trabalho, sentou-se no escritório.
Esquecera-se de ligar as luzes? Por que estava tudo tão escuro?
Sentado na penumbra, entregando-se à melancolia, foi de súbito assaltado por uma lembrança... Uma lembrança cálida e ligeira, que o fez sacar do bolso interno do casaco o telefone celular.
Ali, mexeu com dedos lépidos na tela até o display de sete polegadas exibir, em toda a sua glória, a efígie da dona de suas afeições.
Os cabelos, olhos e sobrancelhas, o nariz o queixo e o sorriso... Ah, o sorriso... Sempre ele... O efeito foi quase imediato.
As cores, sons e luzes do dia ressurgiram e se reafirmaram, um calor agradável partiu de seu peito espalhando-se por seus braços, pernas e rosto, e um sorriso nasceu em sua cara barbada de maneira espontânea e irrefreável.
Entendeu tudo, claro e cristalino como uma manhã de começo de primavera...
Ela era a música de seu concerto. A luz de seus dias. O farol de suas noites. Ela era o calor em seu peito. O azul e o vermelho.
E na ausência dela, nada disso existia.
Os dias vindouros seriam duros.

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