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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Moção de Repúdio


Todos devem estar cansados de saber sobre a celeuma que se criou na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, que se viu no centro de uma discussão que pouquíssimo tem a ver com literatura após o vereador e pastor evangélico Alexandre Isquierdo pedir uma moção de repúdio contra a HQ Vingadores: A Cruzada das Crianças em sessão da câmara municipal do Rio, e ser prontamente acompanhado pelo prefeito e pastor evangélico Marcelo Crivella que saiu ordenando o recolhimento do gibi da Bienal e seu embrulho em plástico preto e advertência de conteúdo sexual porque há dois homens se beijando em um quadro da história e deitados na mesma cama em outro.
Eu não vou entrar no mérito do que se caracteriza como conteúdo pornográfico na cabeça de Crivella e Isquierdo, não vou questionar se qualquer beijo é pornografia ou apenas beijos entre pessoas do mesmo sexo, tampouco irei reforçar que A Cruzada das Crianças, a despeito do nome, não é um livro infantil. Não farei nada disso porque por mais que eu me considere um liberal, me dói admitir que parte de mim entende esses dois seres humanos.
Eu passei muitos anos da minha vida me sentindo desconfortável diante de manifestações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo. E por muito tempo racionalizei que é uma resposta natural se sentir desconfortável diante de manifestações de intimidade de pessoas de qualquer gênero, mas eu estava sendo desonesto.
Eu me sentia mais desconfortável diante de beijos homossexuais do que de beijos heterossexuais.
Jamais destratei alguém por sua opção sexual, jamais fui cruel ou violento com alguém por tal razão, tampouco considerei alguém inferior por gostar de pessoas do mesmo gênero, mas já teci minha cota de comentários maldosos que não faria novamente hoje, e já fiz mais piadas de mau gosto do que seria aceitável. Posso dizer sem medo de estar sendo hipócrita que sou uma pessoa muito mais aberta agora do que fui há dois, cinco ou dez anos atrás, que ainda não cheguei onde deveria nesse sentido, mas espero seguir melhorando e evoluindo e aprendendo a conviver com as diferenças dos meus semelhantes sem deixar que isso me afete já que, em última análise, a vida sexual e afetiva de terceiros não é da minha alçada.
Então não vou esculhambar Crivella e Isquierdo e seus respectivos eleitorados por suas visões retrógradas e preconceituosas.
Não.
Na verdade, vou pegar carona com esses dois luminares do cenário político brasileiro e sugerir minha própria moção de repúdio a um livro:
A Bíblia.
Quem me conhece sabe que sou ateu, e sabe que eu tenho asco de religiões em geral, das organizadas em particular, e provavelmente minha moção de repúdio poderia ser estendida a outros textos religiosos do mundo, mas eu sou um caucasiano do hemisfério ocidental, fui criado católico, então o cristianismo em suas dezenas de milhares de denominações que abraçam a Bíblia como cânone sagrado é a mitologia com a qual eu tenho mais intimidade e o texto com o qual tive mais contato ao longo da vida.
Ao contrário de Isquierdo, Crivella e seus correligionários e fiéis, que, eu francamente duvido que tenham lido A Cruzada das Crianças, e se leram, parabéns, eu li a Bíblia, e acredito ter bases para a minha moção de repúdio.
O personagem central da Bíblia é objetivamente desprezível.
E essa afirmativa é facilmente comprovável.
Ele regulariza uma série de atividades imorais ao longo da narrativa bíblica.
Ele é um pai ausente que demanda amor e adoração sem jamais dar as caras à guisa do livre arbítrio, mas ele não gosta quando sua criação exerce o livre arbítrio.
Alguns dos que tentam fazer uso dessa prerrogativa ao longo da narrativa têm todos os seus primogênitos assassinados na calada da noite, outros são massacrados até a última criança do sexo masculino enquanto as mulheres são forçadas à escravidão, e, em momentos particularmente temperamentais do raivoso protagonista, todos são afogados praticamente sem exceção, e a única família que sobra recebe a incumbência de repovoar o mundo através de incesto.
Ele aposta a alma dos filhos que alardeia amar em um jogo contra um inimigo que permite existir e cujo resultado Ele já conhece de antemão. Ele possui poderes absolutos que escolhe usar, não para salvar os inocentes, mas para fazer uma lista de bons e travessos como se fosse um Papai Noel com critérios que ora são incompreensíveis, ora não passam pelo crivo moral de ninguém que não seja um pastor de cabras iletrado da Idade do Bronze. Ele incorre em jogos mentais cruéis com seus amigos, fazendo-os pensar que terão de oferecer os próprios filhos em sacrifício no alto de um monte a três dias de distância numa tortura psicológica de fazer Jigsaw corar de inveja.
Ele engravida a própria mãe para que ela Lhe dê à luz em carne e osso e Ele possa ser flagelado, torturado e assassinado para se oferecer em sacrifício a si próprio e perdoar a humanidade por afrontas que Ele já sabia que seriam cometidas.
Na melhor das hipóteses, o protagonista da Bíblia é um trapalhão, na pior ele é um sádico medonho, vaidoso, irascível e orgulhoso que premia credulidade e sanciona escravidão, assassinato, massacre e genocídio.
O personagem central da Bíblia é um ente execrável que incorre em comportamentos absolutamente imorais e as pessoas deveriam saber disso de antemão para poder se precaver a respeito dos horríveis conteúdos desse livro que leva pessoas a quererem limitar as liberdades e direitos de outrem para forçá-los a se comportar de acordo com seus padrões após serem expostas à uma filosofia que demanda adoração à uma figura obviamente maligna que serve como explicação pra qualquer coisa sem explicar coisa alguma.
Por isso e muito mais, eu gostaria de pedir que as autoridades competentes façam com que a Bíblia passe a ser apresentada em lojas, bancas e livrarias embrulhada em plástico preto e adesivada com alertas a respeito dos perigos de seu conteúdo e da terrível influência que ele pode causar em mentes de leitores suscetíveis, capaz de causar pensamentos e comportamentos aberrantes e nocivos à vida em sociedade.
Os exemplos estão em toda a parte.
Nas nossas casas. Nos bairros vizinhos. Nas igrejas. Nos plenários e palácios do mundo.

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