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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Resenha Mini-Série: O Espião


Quando eu assisti ao trailer de O Espião, eu supus que se tratava de um filme, e fiquei muito ansioso para assistir, tanto por ter me parecido uma história de espionagem adulta e cheia de nuances ao estilo John Le Carré, quanto para ver Sacha Baron Cohen exercitar suas habilidades de camaleão em um filme sério em oposição às suas habituais empreitadas cômicas que, ainda que tenham variados graus de sucesso (Borat é excelente, Brüno é bom, O Ditador é ruim, Ali G é horrível), sempre mostram até onde vai o comprometimento do britânico para com seu ofício.
Ao descobrir que tratava-se de uma mini-série em seis episódios, eu não cheguei a lamentar, se a trama fosse boa, era uma oportunidade de assistir umas boas seis horas dela ao invés de apenas duas. Meu problema foi quando surgiu o nome de Gideon Raff como produtor executivo e diretor do programa.
Raff foi o responsável pelo roteiro e direção de Missão Mar Vermelho, longa da Netflix que conseguiu a proeza de tornar uma empolgante história sobre espiões do Mossad tocando um resort de mergulho na costa da África para levar refugiados etíopes para Israel maçante além de qualquer medida.
Ainda assim, resolvi me arriscar e, em dois domingos, concluí a mini-série que conta a história de Eli Cohen (Sacha Baron), um judeu de ascendência árabe trabalhando em uma loja de departamentos em Tel Aviv que eventualmente se tornaria um espião infiltrado na Síria a serviço do Mossad.
Levando uma vida simples ao lado de sua esposa Nádia (Hadar Ratzon Rotem), Eli se ressente do preconceito dos amigos mais abastados que o veem como "um árabe" e almeja um trabalho mais importante, que possa propiciar algum conforto à sua esposa.
Após ser negado duas vezes pelo Mossad, Eli acaba sendo procurado por Dan Peleg (Noah Emmerich), um recrutador que lhe oferece uma arriscada posição em disfarce profundo para se infiltrar entre autoridades sírias e descobrir potenciais ataques contra a recém fundada nação israelense em 1959.
Ávido tanto por servir seu país quanto por uma chance de ascensão social, Ali agarra a oportunidade com unhas e dentes, se preparando para abandonar a própria identidade e se tornar Kamel Amin-Thabaath, um confiante e bem-sucedido empresário de ascendência síria que deseja voltar ao país de origem de seus pais e ajudar a torná-lo a maior nação árabe do mundo cativando cada um dos grandes nomes da política síria que lhe são indicados seja com puras demonstrações de amor pela terra de seus pais, seja com a ostentação de uma vasta riqueza, ou apenas com charme e amabilidade entre seus "pares".
Ao longo de seis anos, acompanhamos Eli enquanto ele galga paulatinamente os degraus dos mais altos escalões do poder da Síria em uma missão que pode custar, não apenas sua vida, mas seu casamento e sua própria identidade.
O Espião não é tão ruim quanto Missão Mar-Vermelho, e acerta na pinta em diversas decisões.
Eli Cohen dificilmente se envolve em perseguições em alta velocidade, não dispara um único tiro, e não sai na porrada com ninguém ao longo de seis capítulos. São raras as ocasiões em que o vemos realmente espionando coisas ou pessoas, pois o Agente 88 é um operativo discreto cuja maior habilidade é a capacidade de ler todos ao seu redor, e se misturar em praticamente qualquer grupo de pessoas.
Há um elemento de tensão sempre presente quando Kamel se envolve em situações extremamente arriscadas armado com pouquíssimo além de sua esperteza e capacidade de improvisar ao lidar com pessoas que poderiam facilmente matá-lo ou expô-lo acabando com sua missão e, possivelmente, com sua vida, e quando esse é o enfoque de O Espião, a série realmente funciona.
O problema é que Raff (que além de dirigir roteiriza a mini-série) escolhe passar um bom tempo com Nadia, sozinha e grávida sentindo a falta de seu marido e alheia ao perigo de seu trabalho, e com isso a série perde muito de seu impacto, especialmente porque, a despeito de ter um bom tempo em cena e fazer um trabalho sólido durante sua participação, a função de Hadar Ratzon Rotem na série é ser a sofrida esposa de Eli, e frequentemente mudar o foco da narrativa de onde ele é mais interessante, para onde ele é menos.
Não ajuda o fato de, à certa altura, Nadia começar a ser pessoalmente paparicada por Dan, no que começa como uma sugestão de triângulo amoroso, mas logo se prova uma tentativa do recrutador em tentar expiar parte de sua culpa por enviar um homem de família a uma missão potencialmente mortal deixando sua família desamparada.
E, enquanto é ótimo passar tempo acompanhando a atuação de Sasha Baron Cohen, seja na pele de Eli, seja na de Kamel, o roteiro simplesmente não lhe dá o suficiente para trabalhar porque, apesar de ter seis horas para contar sua história, O Espião por vezes parece apressada, sacrificando o desenvolvimento dos personagens em nome de mover a trama adiante a qualquer preço. Mesmo o protagonista começa e termina a série sem uma grande justificativa para seu patriotismo pétreo, que o coloca em posição de se afastar por anos da mulher que ama.
Além disso, o último episódio da série é um tremendo anticlímax, especialmente porque ele é aventado nas sequências de abertura da trama no primeiro episódio, gerando uma expectativa que fica terrivelmente longe de atender, e pra fechar da forma mais equivocada possível, Raff escolhe apresentar recordatórios de encerramento sobre imagens absolutamente inapropriadas do verdadeiro Eli Cohen, no que parece uma tentativa deliberada de chocar a audiência.
A mão pesada de Gideon Raff na condução de sua trama e especialmente em seu desfecho paulatinamente enterram os acertos acumulados no início das quase seis horas de história, e diminuem, e muito, o que começa como uma envolvente narrativa de espionagem madura e bem fundamentada em fatos reais, mas termina deixando um gosto amargo na boca e a sensação de que se eu voltar a ver o nome de Gideon Raff em um filme ou série no futuro, sou capaz pensar duas vezes antes de dar uma chance.

"-Meu filho... Você não sabe quem você é."

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