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terça-feira, 3 de setembro de 2019

Resenha Filme: Querido Menino


Steve Carell é um desses comediantes que, nós descobriríamos mais tarde, são tão eficientes em papéis dramáticos quanto na hora de fazer rir. Filmes como Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo e Foxcatcher, que inclusive lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator, deixaram isso claríssimo.
Aparentemente, em 2018, Carell teve ânsias de ser indicado novamente, e acabou se envolvendo em dois longa-metragens que pareciam isca de premiações desde os trailers. O primeiro deles, Bem-Vindos a Marwen, eu ainda não vi (talvez no feriadão), mas foi um fracasso de público e crítica. O outro foi este Querido Menino (do qual não recordo do lançamento brasileiro, mas, segundo o IMDB esteve em cartaz por aqui em meados de fevereiro) drama baseado não em um, mas em dois livros autobiográficos, co-estrelado pelo queridinho de Hollywood Timothée Chalamet, narrando a dolorosa história de amor entre pai e filho sendo ameaçada pela drogas, que eu acabei pescando numa sessão dupla de cinema em casa no domingo à noite na Amazon.
No longa dirigido por Felix van Groeningen (do ordenhador de lágrimas Alabama Monroe) conhecemos David (Carell) e Nic Sheff (Chalamet), pai e filho com uma relação extremamente próxima. A primeira cena do longa mostra David visitando um especialista (Timothy Hutton) e dizendo que seu filho é viciado em metanfetamina, e ele gostaria de saber mais a respeito do assunto. É um começo promissor, direto e sem rodeios, mas que infelizmente não se sustenta pelo restante do filme.
David é um jornalista freelancer casado com uma artista (Maura Tierney) com quem tem dois filhos, e Nic é seu rebento de um primeiro casamente com Vick (Amy Ryan), durante anos David e Nic foram extremamente próximos, mas chegando perto dos dezoito anos Nic passou a se desconectar da família e, eventualmente, passou a usar drogas cada vez mais pesadas tornando-se um viciado.
O longa salta entre passado e presente nos mostrando inúmeros pontos da queda de Nic em direção ao abismo da dependência química, e a construção de seu relacionamento com David, que à certa altura passa a se culpar pelo vício do filho, perguntando-se se sua criação liberal foi o problema. Nós os acompanhamos entre as entradas e saídas da reabilitação, as recaídas de volta às drogas, overdoses e quase sucessos, os momentos em que um deles desistiu do outro, e os momentos em que eles voltaram a se procurar em busca de apoio numa estrada tortuosa em busca das coisas que eles perderam pelo caminho.
Querido Menino obviamente almeja ser um filme com uma mensagem, mas falha em diversos aspectos na hora de entregá-la.
As atuações principais, especialmente de Chalamet, que se esforça para escapar de interpretar o viciado em drogas clichê, são bastante interessantes, mas Querido Menino é um filme problemático.
Eu tenho posições com relação à questão das drogas que, talvez, me impeçam de admirar a profundidade do drama que o filme tenta retratar, mas a verdade é que a maneira como o roteiro de Van Groenginen e Luke Davis escolhe narrar sua história flutua entre o intrigante e o frustrante, com as idas e voltas no tempo frequentemente brecando a história quando começávamos a nos envolver com ela.
O fato de faltar sutileza ao longa em diversos momentos não ajuda. A trilha sonora ao invés de apoiar as imagens na tela, é quase uma distração, a exposição do roteiro é irritante ocasionalmente, e as razões para o menino bonito, inteligente, endinheirado e bem cuidado cair no vício são opacas. Não há conflito na vida de Nic, ele apenas é entediado e atormentado sem motivo, ele lê Bukowski e gosta de Kurt Cobain, e provavelmente enveredou pelo mundo das drogas por isso... E a audiência perceber esse fato torna difícil, apesar dos esforços de Chalamet, sentir simpatia pelo personagem.
Da mesma forma, as explosões de raiva de Carell jamais são convincentes, embora seu olhar melancólico e desprovido de esperança acerte o alvo, e é, por vezes, realmente emocionante, mas Maura Tierney e especialmente Amy Ryan são desperdiçadas sem dó nem piedade.
E depois, há a questão do privilégio...
Veja, o vício é uma doença terrível, eu já convivi com viciados, tanto entre amigos quanto familiares, e sei o tamanho do problema, mas Querido Menino vê o problema sob uma ótica tão privilegiada que eu, que não sou uma pessoa adepta do politicamente correto, me flagrei minimizando a tragédia descrita no longa por conta da condição social de seus protagonistas que vivem em belas casas suburbanas na Califórnia e podem pagar entradas e saídas frequentes em clínicas para Nic.
A direção artística de Van Groenginen que parece tentar transformar todas as cenas em painéis com bela iluminação, bela fotografia, e trocando o diálogos por escolhas musicais quase primárias de tão óbvias é outro elemento que glamouriza a condição de um jovem viciado cuja família pode sustentar tantos recomeços quanto ele precise. E Querido Menino tenta alardear que a ajuda está lá fora, mas a verdade é que nem todo o viciado tem como pagar por essa ajuda, não importa o quanto seja querido por sua família, e talvez nem todos queiram...
Ao tratar um tema pesado e sério como um clipe musical artístico Querido Menino erra por muito o alvo, e só não erra mais graças aos esforços de seus protagonistas, que, apesar de serem as melhores coisas do filme, ainda estão muito longe de suas melhores formas.
Querido Menino tem uma mensagem em algum lugar, mas ela acaba perdida em meio à pretensão de seus realizadores.
Pena.

"-Eu pensei que nós fôssemos próximos. Mais próximos do que a maioria dos pais e filhos. Por que?
-Eu me senti melhor do que jamais tinha me sentido... Então continuei usando."

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