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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Outra vida.


Edegar era um sujeito simples. Era, mesmo. Não é falácia. Ele era simples. Gostava de coisas simples, vivia de maneira simples, e, mais importante, honesta.
Edegar trabalhava de segunda á sexta, estudava á noite, se exercitava com boa frequência, embora quisesse se exercitar com mais frequência ainda, o que não fazia pela escassez de horários.
Edegar gostava de prazeres simples, gostava de cinema, gostava de esportes, assistia noticiários, mas faltava alguma coisa na vida de Edegar, embora ele não tivesse muita certeza de o que era.
Edegar trabalhava no arquivo público municipal de sua cidade. Era um bom emprego. Trabalhava seis horas por dia, tinha estabilidade, ganhava um salário digno, e era um emprego sem imprevistos. Praticamente ninguém consultava os arquivos públicos após o advento da internet. O Google fizera de Edegar e seu trabalho obsoletos, e ele não se importava. Era mais tranquilo assim. Na verdade, Edegar não gostava muito de seu trabalho. Ele achava chato, pouco estimulante, maçante, até. Ele conseguira aquele emprego graças á influência do marido de uma tia-avó por parte de mãe, que era vereador. Jamais queisera o trabalho em questão, mas sua mãe lhe dissera o quanto era importante que Edegar começasse á trabalhar já que estava fazendo dezenove anos.
Edegar agradeceu ao vereador com uma garrafa de vinho, por recomendação de seu pai, que lhe disse o quão importante era manter uma boa rede de contatos.
Edegar seguiu na faculdade, cursava administração, também recomendação de seu pai, que lhe disse que, já que o jovem não se interessava de verdade por nada em particular, era bom ter um curso universitário genérico. Edegar detestava o curso de administração. Também era chato, maçante e tudo mais, na verdade Edegar queria, mesmo, era cursar turismo e sair viajando pelo mundo, mas não era uma coisa prática, ou factível, então Edegar seguia na administração, tinha um desempenho medíocre que lhe permitia ir levando sem rodar em nenhuma das cadeiras que cursava.
Edegar namorava uma moça, Edilene, Edilene morara a vida toda na casa ao lado da dos pais de Edegar. Se conheciam desde os sete anos de idade, sempre implicaram um com o outro na escola. Edegar jamais viu Edilene como algo além da vizinha implicante, entretanto a recíproca não era verdadeira, Edilene, por volta dos 17 anos resolveu fazer de Edegar o alvo de suas afeições, e, por recomendação dos amigos, Edegar acabou se envolvendo com a moça, que era de boa família, bem comportada, recatada, enfim, uma moça de fundamento.
Mas Edegar não gostava, de fato, de Edilene. Havia outra moça, Raquel, que atraia Edegar, mas Edegar nem sequer pensou em gastar latim com ela. Raquel era descolada, cosmopolita, bem informada, era, como Edegar dizia, maneira. E uma moça maneira como Raquel não tinha razão pra dar bola pra um sujeito tão... Tão... Tão sem adjetivos como Edegar. Então, Edegar se mantinha ao lado de Edilene, não estava infeliz, mas também não estava feliz.
Edegar queria sair de casa, morar sozinho, mesmo que não fosse sair da cidadezinha, mas tinha que ajudar seus pais. Todo santo dia ouvia o quanto sua ajuda era importante em casa, o quanto as coisas seriam difíceis sem ele. Edegar ouvia os elogios e era corroído por dentro, e ficava. Ficava á despeito de não ter privacidade ou individualidade. Tentava tirar o melhor de tudo, mas ás vezes era difícil, difícil demais. Nessas ocasiões Edegar escrevia, não eram bons textos e ninguém lia eles, Edegar preferia assim. Não sabia se conseguiria lidar com críticas negativas. Edegar descontava suas frustrações no papel. Seu sonho era ser escritor. Por isso aceitara o emprego no arquivo, seria uma maneira de estar em meio á escritos, talvez o ambiente o inspirasse e melhorasse sua escrita. Mas Edegar praticava pouco, quase nada.
Edegar acordava ás seis da manhã, tomava café e saia para o trabalho onde chegava ás oito, ao meio-dia almoçava com Edilene no restaurante do seu Feijó, ele saia do trabalho ás cinco, corria cinco voltas ao redor do parque, ia á faculdade ás sete da noite, chegava em casa perto das onze, conversava com Edilene por meia hora, embora a maior parte do tempo ela falasse sem parar e ele ouvisse muito pouco, depois ele ia para a cama.
Esse era o dia á dia dele, com raras alterações, como ir ao cinema, ou os finais de semana em que Edilene arranjava algum programa do qual Edegar não gostava, mas ia sem reclamar por que, afinal, qual o ponto em reclamar?
Edegar se mantinha em animação suspensa.
Vez que outra se pegava imaginando como seriam as coisas se ele não fosse tão letárgico. Se ele abrisse mão da segurança e da responsabilidade, se ele tentasse, ao menos uma vez, não fazer as coisas conforme todos esperavam, e fizesse, naquela vez, o que ele, e não os outros, queria.
Mas esses pensamentos desvaneciam rápido quando Edegar lembrava que não podia simplesmente dar as costas á sua vida e fazer tudo diferente. Ele tinha obrigações, ele tinha responsabilidades, era honesto demais, responsável demais pra mandar tudo lá pra casa do Capita e agir por impulso. Talvez fosse isso... Talvez isso fosse apenas uma desculpa triste pra sua covardia e apatia. Ele não sabia, e naquele momento, saber não era uma prioridade.
Uma noite, após a sua corrida, Edegar foi á venda do grngo Walter comprar um energético, quando saiu, sorvendo com gosto a bebida gelada, esbarrou com Raquel.
Pediu desculpas, ele viu que ela carregava um DVD, ele comentou, ela sorriu e engataram uma breve conversa sobre cinema, tinham algumas opiniões muito parecidas (Ambos gostavam de Woody Allen) e outras totalmente divergentes (Ela adorava Almodóvar, ele detestava.), mas a conversa foi agradável.
Se despediram, e, quando Edegar retomava seu caminho pra casa, foi impelido á olhar para trás, e, ao se virar, percebeu que Raquel também virou e olhou.
Sorriram um para o outro e seguiram, cada um seu caminho.
Edegar sentiu dentro de si um calor, uma sensação de cor e som... Ele não soube o que era, mas se sentiu bem.
Era uma sensação nova para Edegar, era vida.
Até ali, Edegar não estava morto, ou vivo, outros estavam vivendo a vida de Edegar por ele. Agora, que ele conhecia o sabor de viver a própria vida, seu futuro dependia apenas dele.

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