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terça-feira, 20 de abril de 2010

Situação caótica.


"Ah, meu Deus..." Pensou Alfredo, "Não vai dar tempo." ele elucubrou de forma pessimista enquanto caminhava o mais rápido possível em direção ao banheiro do shopping.
Carregava oito sacolas de compras de supermercado na mão esquerda e uma sacola com uma caixa de sapatos e outra com dois pares de calças na mão direita. Tinha a fronte coberta de gotículas de suor, mas sentia calafrios, um cólica violenta o açoitava de tempos em tempos com intervalos cada vez menores. Seus passos miúdos, com as coxas coladas de forma pouco eficaz mas oferecendo apoio moral ao esfíncter, cada vez mais enfraquecido em sua função de evitar que o pior acontecesse.
Alfredo não merecia aquilo, na sua própria opinião, pelo menos. Era um homem trabalhador, pensava apenas no bem estar de sua família, se comera aquele hambúrguer cheio de pepino e cebola quentes e catchup, se comera uma porção de fritas grandes tambéms lavadas no condimento de tomate, se bebera um milk shake de chocolate de setecentos mililitros foi por mera conveniência, pouparia alguns minutos valiosos se não precisasse esperar que uma refeição de verdade ficasse pronta, afinal precisava ir ao shopping comprar sapatos para a Cecília e calças, por que o Júnior precisava de calças.
Se ele dirigira as quatro quadras que separavam sua casa do shopping foi por que era mais rápido e ele teria tempo de passar no supermercado e fazer as compras como Margarete pedira de forma veemente ao telefone.
Alfredo era um bom homem, trabalhava, era bom pros filhos, não fazia mal pra ninguém, cuidava de seus assuntos, não merecia o futuro imediato que se descortinava á sua frente, ou melhor, na sua traseira.
Tudo bem, ele ignorara a potencial volatilidade da mistura de seu lanche, o fast food já mencionado, com o seu almoço, que incluiu, fora uma saladinha, mais por desencargo de consciência, três panquecas, dois bifes á parmegianna e espaguete ao sugo, fora um chocolate twix na sobremesa.
Agora, aqueles elementos todos estavam fermentando nas entranhas de Alfredo, misturados ao café que ele ingeria em quantidades industriais sentado no trabalho, e á rapadura que ele comprara de um guri no sinal á caminho do shopping, e eles borbulhavam dentro de seu abdôme, pelo menos era a sensação que ele tinha, enquanto ouvia os ruídos que seu estômago e intestinos produziam.
Alfredo repetia para si mesmo como um mantra que não merecia aquilo e que daria tempo, não merecia aquilo, daria tempo, não merecia aquilo...
Mas a verdade é que Alfredo, descuidado como era, relapso como era com a própria saúde.... Bom, a verdade é que, independente do que ele achava, ele meio que merecia aquilo, sim.
Se não aquilo, alguma outra forma de represália. Não se pode abusar como Alfredo abusava sem sofrer alguma espécie de revés, simplesmente não faz sentido. Ninguém descuida tanto de coisas importantes e fica incólume, e Alfredo descuidara.
Alfredo cuidava de sua família, e do próprio bem estar, OK, mas não era capaz de colocar parte desse esmero em cuidados simples que o poupariam de situações como aquela que agora enfrentava.
Alfredo e sua luta interna (literalmente.) contra seu intestino eram como a humanidade e a natureza. A situação caótica de hoje poderia ter sido evitada se alguns cuidados simples tivessem sido tomadas algum tempo atrás. Tanto Alfredo quanto a humanidade não estariam no limiar de uma situação catastrófica se não tivessem sido gananciosos e incautos no passado.
Agora, não entendiam por que estavam como estavam, e, por mais que lutassem, um observador isento diria que de um modo ou de outro, iria dar merda.

Um comentário:

  1. rsrsrsrs ... me lembrei de " A Cagada " de Fernando Veríssimo ...
    (yone)

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