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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dúvida


Aloísio acordou e foi arrebatado, quase instantaneamente, pelas lembranças da noite anterior. Tudo ficou muito claro á despeito da escuridão quase absoluta do lugar onde estava. Pensou em gastar algum tempo recriminando-se, mas não tinha certeza se valeria de alguma coisa, afinal, o que estava feito estava feito. O que deveria fazer? Elegeu rapidamente sua primeira prioridade ao perceber que estava nu. Precisava vestir-se. Sentou na cama com dificuldade, tentando manter o silêncio. Não fazia ideia de que horas poderiam ser. Levantou-se, e deu um passo, pisou em uma peça de roupa. Apanhou-a e reconheceu como sendo sua. Vestiu a peça sem respirar. Ele sentiu o tecido frio da camiseta sobre a pele quente dos ombros e dos braços. Ajeitou-se fazendo o mínimo ruído possível, passando a mão para desfazer o amarrotado da roupa. Procurou suas roupas de baixo tateando com cuidado a cama onde dormira, mas estava escuro, e ele não fazia ideia de onde a peça poderia estar.
Olhou no chão, abrindo bem os olhos para tentar superar a escuridão que inundava o cômodo, mas não logrou sucesso, mal conseguia distinguir as formas que percebia pelo chão. Chamou-lhe a atenção uma pequena peça amarfanhada, embolada perto do pé da cama, inclinou-se em silêncio e a apanhou, desenrolou a peça com cuidado, achando o toque do tecido algo estranho. Não era o que procurava, era uma calcinha. Largou-a rápido, não com nojo, mas acometido por uma súbita onda de recato.
Ele que, se não estava muito enganado, tivera aquela peça ínfima e íntima de roupa entre os dentes algumas horas atrás, agora achava que não era correto a ficar segurando.
Tateou o chão ao redor da cama, não usava calças e não se sentia bem agachando em demasia naquele estado. Encontrou suas calças. Vestiu-as rápido, e dirigiu-se, tão silenciosamente quanto possível à porta do quarto, entretanto, escuro que estava, deu uma topada violenta no pé de uma poltrona. Gritou em silêncio, soltando muito ar pela boca semi cerrada. Segurou a maçaneta da porta e começou a girá-la com o máximo cuidado, mas estacou.
Que rumo de açao era aquele que estava tomando? Fugindo feito um ladrão na madrugada (Ou, pelo menos ele achava que era de madrugada...) e deixando ela sozinha ali?
Ela, Roberta, á quem ele considerava tão especial á tanto tempo, e agora, depois de um deslize, um ótimo deslize, diga-se de passagem, ele colocaria toda a relação que partilhavam a tantos anos á perder por causa de sua covardia? Por causa de sua vergonha?
Não que houvesse nada de vergonhoso no que ele e Roberta haviam partilhado na noite anterior, de forma alguma. Eram ambos jovens, livres e desimpedidos, e não deviam nada á ninguém. Chegaram á casa de Roberta para assistir um filme e comer sorvete, alheios ao inverno inclemente que castigava Porto Alegre naquele mês de junho. Assistiram O Poderoso Chefão, objeto de culto de Aloísio, e pela qual Roberta nutria certa reticência, e comeram metade de um pote de sorvete sabor Alpino.
Após o filme, ligaram a TV e ficaram jogados nos almofadões do chão rindo e amaldiçoando a própria gula. Aloísio e Roberta eram amigos de longa data, já haviam feito aquilo mil vezes, mas, naquela noite, havia algo de diferente.
Aloísio não saberia explicar, talvez fosse um brilho diferente no vermelho dos cabelos de Roberta, talvez fosse a alvura de sua pele, o rosado de seus lábios, ou seus olhos estivessem mais encantadores do que de costume, ou talvez ele apenas tenha renegado a máscara de fingida distância que usava para disfarçar seu profundo apreço por ela, nutrido desde sempre.
Ele tomou a mão dela entre as suas e a beijou. Ela sorriu pra ele como quem sorri para um amigo, e ele, talvez por alguma forma tola de orgulho masculino ferido, sentiu-se diminuído, e tocou seu rosto, não como um amigo. E a beijou nos lábios. Roberta pareceu surpreendida no início, mas correspondeu. Ele a tomou nos braços e a levou para o quarto, despiram um ao outro, com pressa e em silêncio, ouvindo apenas o som das próprias respirações e os estalos dos beijos que trocavam.
Aloísio e Roberta fizeram amor. Não fora apenas sexo, não entre das pessoas que se conheciam á tanto tempo e confiavam tão profundamente uma na outra.
Aloísio sabia que fora muio mais do que sexo, e isso o assombrava. Assombrava por que Aloísio conhecia sua falta de jeito no tocante á relacionamentos, ele sabia, em seu íntimo, que era muito melhor amigo do que namorado,e isso que nem era um amigo tão bom assim. Em relacionamento Aloísio era tão emocionalmente retardado que fazia um esforço sobre-humano para não agir como seus instntos sugeriam, com iss, os relacionamentos de Aloísio eram exaustivos pra ele, tão exaustivos que ele perdia o ânimo em pouco tempo, e logo estava no dilema de voltar, ou não, á vida de solteiro.
E, sendo honesto como era, quase honesto demais (Mas apenas quase.), Aloísio logo terminava seus relacionamento que raramente eram duradouros.
E agora ali estava ele, sentindo-se o último dos homens enquanto executava uma slenciosa fuga. Ele estava apavorado, apavorado por que imaginava estar colocando á perder uma amizade que prezava como poucas, por que estava afastando alguém com quem tinha uma conexão que considerava especial, mas, ao mesmo tempo, apavorado por que a noite anterior fora perfeita. Excetuando-se a culpa decorrente, o medo de perder o que tinha, tudo havia sido ótimo. Bonito. Natural. Por que o que tinha com Roberta sempre foi mais do que amizade, sempre conviveram com uma cúmplice sombra de flerte que oxigenava a amizade, como se um desse ao outro sinais de que eram do sexo oposto, de que poderia haver mais ali. E Aloísio sempre percebia isso, fosse ao ouvir a risada cristalina dela, que tinha uma qualidade de risada infantil, fosse quando se perdia admirando seu perfil refinado, ou quando a olhasse nos olhos enquanto ela falava.
E agora, ali estava Aloísio, com o metal frio da maçaneta da porta do quarto de Roberta na mão, amaldiçoando sua própria conduta, seu jeito de ser. O que faria? O que faria? Como conseguiria trocar certo, a amizade duradoura e cúmplice que tinha com Roberta pelo duvidoso e um relacionamento? Ainda mais doloroso por que o "duvidoso" em questão era de responsabilidade sua, e sua apenas.
Roberta suspirou, um suspiro longo, revigorante. E Aloísio quis se virar. Tudo o que ele queria era se virar. Mas não sabia se devia.

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