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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Maturidade.


Solange soluçou. Ela sentiu as contas do colar que usava balançarem e tocarem seu pescoço ao soluçar. Levou, instintivamente a mão ao peito, e fez com que o colar parasse de pender. Esfregou a mão direita na face, secando as lágrimas que escorriam abundantes de seu rosto.
Esfregou a mão molhada na colcha sobre a cama, e soluçou novamente. Levantou-se, foi até o banheiro. Olhou-se no espelho, a face vermelha, inchada, úmida de choro, não fazia justiça á beleza de Solange. Solange, com seus longos cabelos castanho-escuros desgrenhados após quase meia hora de choro na cama, mirou-se no espelho e sentiu raiva. Raiva de si mesma. Raiva da prórpria ingenuidade, raiva por ter-se entregado justamente á Ramiro. Agora, ali estava ela, sozinha no apartamento, colhendo os frutos amargos que ela mesma plantara ao fazer uma escolha errada.
Ramiro e ela se conheceram na faculdade. Ela fazendo Letras e ele Educação Física, partilharam uma cadeira de Antropologia Filosófica, sentavam perto um do outro, ele era bonito, atlético, usava uma barba por fazer, tinha cabelos castanhos sedosos, olhos risonhos, e era cativante, divertido, expansivo. Monopolizava as conversas, parecia se sentir bem sendo o centro das atenções, parecia se sentir seguro nessas situações. Á princípio, nada disso agradou á Solange, exceto a parte de ele ser bonito e atlético, o resto todo, ela achou bastante dispensável, repelente, até.
Solange admirava sua privacidade, era discreta e escolhia com extremo cuidado suas amizades.
Mas o destino é um gozador, e Ramiro, apesar de Solange parecer imune á seu charme, ou talvez por causa disso, tornou-a alvo de suas investidas. Ela fez pouco caso, tratou o fato como nada além de orgulho de um sujeito bonito que percebeu que uma mulher "ousara" não estar interessada nele. Mas as investidas de Ramiro prosseguiram, e, ela tinha de admitir, eram boas. Flores, poemas, livros, palavras gentis... Ele sabia o que estava fazendo.
Solange, ainda um pouco desconfiada, achou que não faria mal aproveitar um pouco, afinal, era solteira, estava livre e desimpedida, e não faria mal ceder um pouco á pressão de seus hormônios.
Resolveu aceitar um convite de Ramiro para sair.
Jantaram fora e foram á uma danceteria. Aconteceram os beijos, os amassos, mas não foi exatamnente como Solange esperava.
Ramiro tinha uma qualidade que Solange não esperava dele. Uma ternura inesperada, e ela gostou. Gostou tanto que, turbinada por boas doses de vinho, se entregou á Ramiro ainda naquela noite, algo que jamais imaginou que faria. Na manhã seguinte, sem o peso do álcool ou da inesperada amabilidade de Ramiro na cabeça, colou os pés no chão, dizendo á si mesma que fora apenas um deslize, nada de grave, nada para se arrepender até o fim de seus dias, e que seria melhor não ver mais Ramiro depois daquilo.
Entretanto, uma vez mais, Ramiro a surpreendeu, servindo-lhe café na cama, colocando uma flor em seu cabelo, e levando-a até o serviço.
Solange, ignorando todos os alarmes pessoais anteriores, apaixonou-se por Ramiro.
O encontro virou namoro, o namoro virou noivado, e dois anos após se formarem, Ramiro e Solange estavam se casando.
Durante todo aquele período, Solange jamais se arrependeu de ter aceitado o convite de Ramiro para sair. Ele seguia sendo amável, seguia sendo gentil, maduro, bonito e atlético. Ainda gostava de ser o centro das atenções, mas ela passou a achar até bonitinho.
Nos primeiros anos do casamento a vida de Solange foi um mar de rosas. Ela levava a vida que sonhava, casada com um marido atencioso e apaixonado, trabalhavam duro, mas conquistavam pequenos confortos passo á passo, e eram felizes.
Porém, o tempo passou, e Ramiro foi tornando-se distante. Á princípio Solange achou que poderia ser cansaço, ela sabia que a vida que levavam era cansativa, ela própria se sentia terrivelmente cansada de quando em quando, por isso relevou.
Mas o distanciamento foi aumentando, e mudando Ramiro. Ele deixara de ser gentil, ainda era educado, mas cada vez mais frio, agia como um hóspede na própria casa, tratava Solange com frieza, afastando-a.
Essa frieza mudou, transformando-se em indiferença, e por fim, em falta de educação pura e simples. Ramiro destratava Solange, não respondia á suas perguntas, não lhe dava as devidas satisfações, passava o dia todo fora de casa chegando só de madrugada.
A situação tornou-se insustentável. Solange chamou Ramiro para que tivessem uma conversa, pedido ao qual ele atendeu de má vontade. Ela falou muito, ele olhou para os lados de braços cruzados como um moleque que tomava uma carraspana.
Quando Solange terminou, muito brava, de explanar como se sentia e como percebia o andamento daquele casamento, perguntou para Ramiro como ele se sentia. E ele disse apenas uma palavra. E aquela única palavra foi suficiente.
Ele disse que estava entediado.
Solange olhou incrédula para Ramiro. E ele continuou, disse que o casamento não era o que ele esperava, que as coisas estavam muito paradas, que ele abrira mão de muitas coisas ás quais prezava em nome daquela relação e não se sentia recompensado.
Solange, sentindo um punhal atravessado em suas costas, perguntou calmamente se ele queria se separar, ele, ainda de braços cruzados, afundado em uma poltrona como um moleque indolente, disse que tanto fazia.
Aquilo arrancou a explosão de Solange, foi o "Tanto faz." proferido por Ramiro sentado no sofá. As palavras aliadas á sua imagem de fedelho á contragosto formaram a imagem que deixou Solangem cheia de desgosto.
Ela disse que queria se separar. Que não queria levar aquilo adiante e que era melhor que ele saísse, e que permanecesse fora até que resolvessem tudo.
Foi depois disso que Solange passou meia hora chorando.
Foi depois de perceber que, não importa o quanto um homem seja seguro, o quanto seja bonito, atlético e cativante, ou o quanto ele goste de ser o centro das atenções, ou o quão galante ele seja, ele jamais deixa de ser um moleque. É o estado natural dos homens.
Não é que nós, homens, amadureçamos mais devagar do que as mulheres, é que nosso amadurecimento tem um nível que dificilmente é superado, e amadurecemos em alguns campos, e em outros não.
Os homens sempre terão um campo no qual serão tão maduros quanto um moleque de seis anos de idade, pode ser emocional, na sua relação com o time do coração, com gibis, com filmes... Sempre haverá um campo no qual o homem não será maduro o bastante.
Escolha o menos pior. Eu diria que gibis e video games são boas escolhas.
Feliz dia do Orgulho Nerd.

Um comentário:

  1. Ok, você pode falar de homens, pois conhece melhor que eu, mas eu diria, por mim, que na verdade, as mulheres pseudo amadurecem em diferentes áreas. Elas querem um homem forte para garantir-lhe a sensação de segurança que dizem ter... querem homens organizados, cheirosos e educados, como os filhos que almejam para serem condecoradas pela "sorte" e olho clínico de escolha... sonham com um príncipe, casam-se com o sapo e tentam desesperadamente vingar essa fantasia...
    Veja bem, isso, digo de mim, das outras mulheres, que seus psicanalistas descrevam-nas!!!

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