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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mocotó


Romão conheceu Agatha, pasmem, na internet. Logo Romão, que parecia alérgico á inovações e tecnologias de qualquer espécie, Romão, que achava telefone celular um troço de outro mundo, tecnologia de Jornada nas Estrelas. Pois é. Romão, numa madrugada insône, seguiu os conselhos de seu amigo Mauro, e foi para um chat da internet.
Desde que Romão terminara seu namoro com Cleyde ele andava cabisbaixo, não demonstrava interesse por nada, por ninguém, parecia alheio á tudo e á todos Além de ser triste ver um sujeito divertido como Romão naquela fossa, ele já estava começando á ficar chato, afinal, o rompimento fora á mais de dois anos, pelo amor de Deus. O cadáver daquele namoro não tinha só esfriado, já tinha putrefado e sido comido pelos bichos. Que Romão passasse pra próxima, que fosse á luta. Era um sujeito bacana, poderia encontrar alguém com quem se relacionar. Mas precisava fazer algum movimento.
As idas á bares foram infrutíferas, programas sociais, de modo geral, não eram o forte de Romão, ele sentava e ficava encarando o infinito respondendo á quem falava com ele por monossílabos.
Mauro sugeriu o chat.
Disse á Romão que, se ele não encontrasse a mulher da vida dele na internet, pelo menos poderia encontrar uma mulher desfrutável que lhe aliviasse a solidão por duas horas que fosse.
E Romão, que não se sentia assim tão solitário, nem tão melancólico aceitou a sugestão. Aceitou mais pra que, quando lhe cobrasse no futuro pudesse dizer "Mas eu tentei e não adiantou.".
Escolheu uma sala de sua cidade, um nick entre o descolado e o misterioso, e lá se foi, procurar alguém com quem trocar umas mensagens durante a noite.
Notou o nick logo que ela entrou "Agatha". Ele achou bacana, interessante. Pelo menos mais interessante do que os "Morena gostosa", "Rabuda", e "Solitária com Tesão" que infestavam o chat.
Clicou sobre o nome dela e preencheu o campo de mensagens com um descolado "Christie?"
Menos de um minuto depois a resposta dela "Quem me dera".
Encarreiraram uma longa conversa. Ambos gostavam de romances policiais, embora ela curtisse livros de Stephen King e ele detestasse, gostavam de blockbusters, de House e Lei & Ordem, e gostavam de rock. Mais que apenas isso. Eram fãs de Bowie, de Beatles, Stones e Metallica. Ainda mais que apenas isso. Eram fãs de Led Zeppelin, Rush, Jethro Tull e Creedence.
Migraram rapidamente para o MSN, trocaram músicas, ele a achou linda, ela não o achou feio, na verdade o achou agradável, culto, educado e disse que seu cavanhaque lembrava o de James Hetfield, o que ele achou muito lisonjeiro, era o segundo melhor elogio que ouvira na vida, tirando quando alguém muito especial lhe disse, certa vez, que ele era como o Batman, aquele era o elogio definitivo, mas a comparação á Hetfield era muito legal, também.
Agatha, que se chamava Agatha em homenagem á Christie, mesmo, era muito legal, também. Era alguns anos mais jovem que Romão, nada grave, era do Rio de Janeiro, e morava no Rio Grande á pouco tempo, detestava frio, que Romão adorava, mas também, nada de grave.
A química entre eles foi ótima. Conversaram pelo messenger mais algumas vezes, depois trocaram telefones, ligaram-se várias vezes e tiveram longas e divertidas conversas.
A vida retornou á Romão. Ele parou de chatear seus amigos, parou com a melancolia e a tristeza. Romão parecia disposto, após mais de dois anos, a arriscar um pouco em um namoro, ele parecia, de fato, disposto á tentar viver novamente.
Havia apenas um detalhe, uma prova para que Romão se comprometesse, de fato, á dar um salto de fé.
O mocotó.
Mulher para Romão, podia ter todas as frescurites do mundo. Podia não querer acampar, não querer abraçá-lo quando ele estivesse suado depois do futebol, sair da cama se ele flatulasse sob as cobertas, não deixar que ele entrasse no banheiro quando ela estivesse no chuveiro, podia preferir ficar em casa fazendo as unhas á ir ao cinema, e ver Sex and the City ao invés de Rambo IV, Romão relevava, na verdade, ele até achava bonitinho, sexy, feminino.
Mas havia uma frescurite que Romão não admitia. E era que mulher entortasse o nariz pra um mocotó.
Mocotó de verdade, não sopa de dobradinha com azeitona e feijão branco. Mocotó, mesmo, daqueles feito com pata, mondongo, cualheira, tripas finas e grossas, linguiça e ovo picado. Daquele que depois de tomar o vivente fica com os lábios superior e inferior grudentos, daquele que se tu deixa esfriar no prato dá pra cortar com faca e comer em cubinhos. Mocotó á moda campeira.
A Cleyde adorava Mocotó. Á despeito de toda a sua delicadeza de princesinha, de seu jeito patricinha cor-de-rosa de ser, ela adorava mocotó, e, depois de sorver com gosto uma colherada generosa de mocotó, ela gostava de espremer os lábios um no outro ruidosamente e dizer "Tá de colar os beiços!".
Romão adorava aquilo. Aquela contradição da moça magra, pálida e delicada sendo capaz de comer um pratarrão de mocotó com gosto e mencionar a qualidade "gruda beiço" do prato.
Romão, entre várias outras coisas, se apaixonara por aquilo. E agora, inclinado á deixar as coisas acontecerem e se entregar á um eventual relacionamento com Agatha, tinha medo.
E se ela não gostasse de mocotó?

2 comentários:

  1. Hilário, muito hilário Rodrigo! Novamente viajei ao passado ... tomeiii muito caldo de mocotó ... além de 2 injeçoes diárias de cartilagem bovina, por 2 anos. Pasmem!!!

    E com este clima é uma boa pedida!!

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  2. Credo!!! Só de ler me deu um embrulho no estômago!!! Fico com a dobradinha...

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