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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Resenha Cinema: A Estrada


Há filmes que são injustiçados pela crítica, outros são injustiçados pelo público, e, há ainda o caso dos filmes injustiçados pelo circuito exibidor. Só esse fenômeno explica as salas de cinemas de Porto Alegre inundadas com Alices, Homens de Ferro, Titãs furiosos enquanto um filmão como A Estrada permanece á mais de um mês esquecido em três salas de circuito alternativo, com algumas em horário único.
Ontem fugi á minha regra, e aceitei um convite pra pegar uma matiné, sessão das cinco da tarde na Casa de Cultura Mário Quintana (Nunca sei qual sala é a Norberto Lubisco, qual é a Eduardo Hirtz e qual é a Paulo Amorim...), lar tradicional de filmes que já saíram de cartaz, ou que não têm público, mas testemunhas.
Já vi bons filmes lá, Gladiador, O Sexto Sentido, mas é uma sala acanhada, a tela pouco maior que uma televisão bem grandona, som meia boca, mas enfim, é uma sala físicamente confortável, onde se pode espichar as pernas e se recostar pra ver um bom filme. E foi exatamente o que, na companhia de umas outras dez testemunhas, vi ontem, um bom filme. Muito bom, até.
A Estrada narra a luta diária de um homem (Viggo Mortensen, cada vez mais entrando pro time dos maiores intérpretes de sua geração.) e seu filho (Kodi Smit-Macfee, o piá parece ter futuro) em um mundo que acabou.
Não temos muitas pistas de como o mundo acabou, mas temos a impressão que que eventos climáticos podem ter sido a causa do mundo frio, onde animais e plantas pereceram, a eletricidade não existe mais, e nem a civilização.
No cenário estéril e cinzento criado com maestria pelo fotógrafo Javier Aguirresarobe, pai e filho andam inexoravelmente em direção ao sul, á costa, onde esperam encontrar uma recompensa para sua tenacidade.
Não é uma jornada fácil para os personagens, que convivem com a ameaça da inanição, de uma natureza moribunda e, mais perigoso, dos demais sobreviventes da terra devastada, então habitada por canibais, ladrões e andarilhos.
O pai luta para manter o ânimo do menino contando histórias de coragem e bravura, prometendo que eles, pai e filho, são os bons sujeitos, os que carregam o fogo interno. A jornada, porém, é muito mais de teimosia do que de fé, e o objetivo, é apenas um pretexto para seguir caminhando, procurando por comida e abrigo, e não se entregarem á um destino cada vez mais obscuro.
Ao longo dessa jornada, o personagem de Mortensen se vê mais de uma vez em situações onde sua boa índole é colocada à prova, e ele tem que escolher entre manter a fachada de normalidade e decência com a qual tenta proteger seu rebento, e a necessidade de agir como um sobrevivente e garantir o amanhã do menino á qualquer custo, tudo isso enquanto se vê assombrado pelas lembranças de sua esposa e da vida que levava antes da tragédia que vitimou á ele e ao mundo (Flashbacks iluminados com uma luz dourada linda).
Não é uma jornada fácil para o público também. A atmosfera opressiva formada pela boa escolha das locações, da fotografia, da trilha sonora de Nick Cave (Excelente.), a direção segura de John Hillcoat e a atuação dos protagonistas e do elenco de coadjuvantes (Que traz nomes como Charlize Theron, Robert Duvall, ótimo, e Guy Pearce, se especializando em pontas), ás vezes se torna pesada, o que está longe de ser um defeito, na verdade é sinal da lição de casa bem feita pela equipe técnica.
No final das contas, A Estrada resulta em um filme excelente, que talvez não tenha o ritmo arrastado do livro de Cormack McCarthy, mas que não deve, de forma alguma, ofender aos fãs do autor, e ainda traz um olhar diferente ao batido tema do mundo pós-apocalíptico com uma história intimista galgada, não em sequências de ação avassaladoras, mas no amor de um pai por seu filho. Á despeito do tom pesado do filme, é um belo olhar.

"Se ele não é a palavra de Deus, Deus jamais falou..."

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