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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mola Ram


Jorge estava inquieto no salão de desembarque do aeroporto. A toda hora ele olhava no relógio, alisava os cabelos, cofiava a barba. Andou alguns passos e sentou-se em um dos bancos próximos, ficou ali por alguns minutos, balançando o pé direito quase como se sofresse de um extremamente localizado mal de Parkinson. Levantou-se depois de dois ou três minutos, andou até um display próximo com folhetos de agências de viagem, apanhou um, abriu, ficou olhando para as letras do papel sem absorver nada, estava nervoso.
Era justificado, afinal, Jorge estava ali esperando Natália. Natália, que fora o grande amor de sua vida. Natália, com seus cabelos negros e seu rosto e colo repletos de sardas, seus faíscante olhos verde-caribe, com seu corpo esguio, suas pernas ágeis, suas mãos e pés delicados. Natália, a quem Jorge declarou juras de amor eterno que de fato tencionava cumprir e por quem jurara mudar seu comportamento em qualquer aspecto que a desagradasse. Natália, por quem Jorge, um homem-criança de vinte e três anos de idade abandonara gibis, futebol e video-game para se tornar um homem sério e trabalhador e se dedicar com mais afinco a faculdade. Por quem Jorge abraçara conceitos que lhe eram totalmente estranhos como planejamento financeiro e medicina preventiva. Natália que fizera de Jorge um homem mais adulto, maduro e responsável, Natália a louca gananciosa que se mudara pra Argentina pra concluir a faculdade lá e o abandonara em Porto Alegre sob promessas de que se veriam sempre nos finais de semana. Natália, a cretina mentirosa que apareceu apenas duas vezes no primeiro semestre e que não estava em casa na segunda vez em que Jorge foi visitá-la em Buenos Aires. Natália, a megera desalmada que mandara um e-mail (UM E-MAIL!!!) dizendo que precisava de tempo para se dedicar aos estudos, que a barreira da língua era mais difícil do que ela esperava inicialmente, e que precisava estar sozinha um pouco para se encointrar naquele novo momento. Natália, a piranha "doble-chapa" que, dois meses, seis dias e dezesseis horas após mandar aquele fatídico e-mail tinha o Orkut inundado de fotos suas abraçada vigorosamente por um discípulo de Cláudio Caniggia. Natália, a traidora desprovida de qualquer moral ou decência que morreu para Jorge no instante em que sua mensagem no MSN era "muy feliz e enamorada". Natália, que assombrou os sonhos de Jorge enquanto ele dormia as duas da manhã fazendo trabalhos de faculdade e acordava as seis para chegar a tempo na imobiliária onde trabalhava... Natália que arrancou o coração de Jorge de dentro do peito como Mola Ram fazia com os servos no Palácio Pankot.
A Natália por quem Jorge não sentia nada exceto raiva (saudade), desprezo (amor) e asco (desejo), e ainda assim, não conseguia esquecer por mais que tentasse.
Essa Natália.
A mesma Natália que lhe mandara outro e-mail, quatro anos após o último, avisando que estava voltando ao Brasil de posse de seus sonhado diploma e que gostaria de vê-lo novamente. A mesma Natália que fez com que Jorge, pasmem, fosse cortar o cabelo, comprar roupas novas e um perfume para estar apresentável ao recebê-la, Jorge que achou melhor calçar sapatos naquela dia ao invés do seu tênis Nike cheio de molas no calcanhar pra causar uma impresão melhor. A mesma Natália com quem Jorge pensava, por que não? Em se reconciliar, e formar uma família. A Natália que, aparentemente usara aquele tempo na Argentina como um interlúdio de irresponsabilidade e de desafogo enquanto estudava, e, ora bolas, Jorge podia perdoá-la, afinal, também fizera sua cota de festas e sexo casual nos últimos anos, não é (Não.)?
Talvez aquele tempo na Argentina, com aquele magrelo cabeludo, seboso e barbudo tivessem mostrado à Natália tudo o que ela tinha com Jorge e não tinha com aquele sujeito. Intimidade, romance, cálidos momentos de intimidade entre longos períodos de olhares apaixonados e cúplices... Sim, Natália estava voltando para Jorge, e ele mal podia se conter de antecipação. Pessoas começaram a sair pelo portão, em meio à pequena movimentação, Jorge discerniu a silhueta harmoniosa da dona de suas afeições. Ela parecia ainda mais bonita do que ele se lembrava, e, quando ela o viu, sorriu para ele, e ele teve, naquele momento, a certeza de que os dois estariam juntos para sempre, e seriam felizes para sempre, e nada poderia separá-los. Andou até ela, e se abraçaram. Um longo abraço (por Deus, como ela cheirava bem!) em que nada foi dito. "Melhor assim", pensou Jorge. "Não há nada a ser dito em palavras que esse abraço não possa simbolizar.". Andaram juntos, lado a lado até a esteira. Esperaram por alguns minutos a mala de Natália passar, apanharam a bagagem e saíram do aeroporto em direção ao ponto de táxi.
"Entramos no táxi e eu dou o meu endereço antes de ela falar qualquer coisa.", disse a si mesmo, Jorge, achando o silêncio perfeito.
mas Natália falou:
-Tava com saudades tuas, Jorge.
Jorge apenas sorriu "Como eu amo a voz dessa mulher." pensou.
-Me conta... O que tu anda fazendo? Tá... Tá namorando?
"Não. Não. Eu me guardei pra ti! Pra ti, Nati! Tu é o amor da minha vida!" Jorge pensou. Mas disse apenas:
-Nah... Não. Nada sério.
-E tu ainda trabalha na imobiliária?
"Sim. Minha vida profissional e acadêmica ficaram em segundo plano quando tu foi embora levando contigo meu sopro de vida, eu estive morto nos últimos quatro anos e hoje eu ressuscitei com o teu retorno como um Lázaro do amor!", ele quis dizer, mas falou:
-Arram.
-Tô com vontade de alugar alguma coisa. Perto do Centro, de preferência. Um apartamento pequeno, perto de um super-mercado, que é pra facilitar a vida do Pablo.
-Quem?
-Pablo. Meu noivo. Ele vai vir morar aqui, comigo. Também se formou, a gente vai ver se monta um consultório juntos.
"Vaca! Vaca fria e cruel do inferno! Como uma pessoa pode ter essa desfaçatez! Como tu te olha no espelho à noite sua vadia sem coração de satã?" gritou Jorge dentro de si:
-Ah, que legal.
-Pois é. Bom, quatro anos, né... Não tenho mais muitos amigos por aqui, é bom saber que dá pra contar com alguém, especialmente alguém que nem tu, Jorge.
-Ah, que é isso...
-Sério.
Chegaram aos táxis. Natália perguntou:
-Quer dividir um?
-Não... Vou pro outro lado.
-Tá bem. Olha, obrigado por me encontrar aqui hoje, hein? Te ligo na segunda feira pra gente ver o apartamento, pode ser?
-Claro.
-Valeu. Ó... Brigada, viu? Tu é um amigão.
Natália entrou no táxi, e acenou para Jorge da janela. Ele acenou de volta, sem prestar atenção. Em sua mente só conseguia visualizar uma cena:
Natália dizendo:
-Bali Mangthi Kali Ma. Shakthi Degi Kali Ma. Bali Mangthi Kali Ma. Shakthi Degi Kali Ma.
Enquanto ele, amarrado e indefeso dizia:
-Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye!
E ela arrancava seu coração do peito. De novo.
Seriam uns dias bem longos o que estavam por vir...

2 comentários:

  1. Adorei o ''raiva (saudade), desprezo (amor) e asco (desejo)'' hehehe, é bem por aí mesmo. E Lázaro do amor foi a coisa maaaais piegas que eu já li na vida !!

    Pô, dessa vez você pegou pesado com o Jorge, além de todo desalento, ainda põe o cara pra trabalhar em uma imobiliária !! EU trabalho em uma imobiliária ! É um triste demais !!
    Vamos invocar o Shiva ( é shiva né? faz tempo que não vejo esse filme rs )pra ver se dá um jeito nas coisas, não pra ele conseguir Natália de volta não, e sim pra ele arranjar outro emprego mesmo...

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  2. Ahahahahahah, gente apaixonada tem o hábito de ficar meio brega, fazer o quê, né?
    Eu nunca trabalhei em imobiliária, mas meu pai tem péssimas lembranças de quando trabalhava quando era guri, mas acho que não deve ser pior que trabalhar em loja de material esportivo °/
    E é Shiva, a do bem, e Kali a do mal, mas no caso do Jorge, acho que nem Shiva salva.

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