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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dá ou desce


O Bartolomeu, moleque malvado de bermuda e camiseta do Ben 10 nos seus sete, oito anos, chegou perto da Flavinha, um amor de menina, com vestidinho de tafetá cor-de-rosa, toda alegre durante o recreio no pátio do colégio, e disse;
-Ou dá ou desce!
-Desce. - Respondeu a Flavinha, ruborizada.
O Bartolomeu, então, a agarrou pela nuca e a empurrou pra baixo até seu joelhinho delicado tocar o chão. Quando a largou ela estava chorando com os vergões vermelhos deixados desenhados atrás de seu pescoço pelos dedos do moleque.
A Flavinha contou pra profe, que chamou o Bartolomeu e exigiu desculpa, que ele pediu, mas não foi sincero.
Já na quarta série, o Bartolomeu se inclinou pra carteira do lado onde a Flavinha sentava. Silêncio absoluto durante a prova de matemática, ele cochichou sibilando perdigotos em meio aos dentes guarnecidos pelo aparelho:
-Flávia... Como é que resolve a quatro?
E a Flavinha quieta.
-Flávi-a! Me dá a resposta da quatro!
E a Flavinha nada.
-Flávia... Ou dá ou desce.
A Flavinha virou enfurecida:
-Desce.
E o Bartolomeu:
-Sora! A Flávia tá me pedindo cola.
Lá foram os dois pra direção. Até a mãe da Flavinha foi chamada. O Bartolomeu foi repreendido, também, mas pra ele, moleque que era, não fazia diferença.
No primeiro ano do ensino médio, o Bartolomeu sentou do lado da Flavinha na cafeteria:
-Flavinha... Me arruma o telefone da tua amiga, a Ana?
-Não. Ela não quer nada com um trouxa que nem tu.
-Ah, Flavinha... Por favor. Vai que ela gosta de trouxa?
-Não.
-Por favo-oooor... Eu faço teus lados com um amigo meu que tu ache bonito e não ache trouxa...
-Pra ser teu amigo tem que ser trouxa.
-Ah, Flávia... Dá o telefone da Ana pra mim...
-Não.
-Flávia... Ou dá ou desce.
-Desço.
Naquela noite o Bril, amigo do Bartolomeu que unia físico de pudim e cabelo de palha de aço, apareceu na casa da Flavinha pra levar ela no cinema. "Mas como? Tá louco? Eu não marquei nada...", disse a Flavinha. "O Bartolomeu que me deu o recado..." respondeu um confuso Bril, com gel no cabelo desgrenhado e usando uma camisa branca estampada com estrias roxas abotoada até o ponto mais alto do colarinho. A mãe da Flavinha, penalizada com a expressão aturdida do Bril obrigou a filha a ir até o cinema ver um filme com o pobrezinho do guri. No dia seguinte estavam chamando a Flavinha de Scotty-Bright no colégio. Alguém a vira no cinema com o Bril e espalhara a notícia.
Foi a última peça de Bartolomeu em Flavinha. Perderam contato. Ele se mudou com os pais, não se viram mais. Dois anos de paz para Flavinha. A fase final da adolescência foi boa pra ela, cresceu, botou corpo, deixou de ser aquela menina magricela com joelhos ossudos e pouca cintura. Concluiu o ensino médio, prestou vestibular e passou. Nutrição. Primeiro dia na faculdade, Flavinha, poderosa, segura de si, encontra quem? O Bartolomeu. Aqueles dois anos haviam sido bons com ele, também. Não tinha mais aquele corte de cabelo militar que o fazia parecer ainda mais irritante do que era. Os óculos também o deixaram mais sério, e a barba caíra bem. Estava bonito. Quando a viu, abriu um sorriso franco, que ela, por força do hábito, achou que seria seguido de uma chacota de alguma espécie. Mas não. A abraçou com civilidade, deu-lhe um beijo estalado na bochecha. Conversou animadamente com ela. Perguntou como ela estava, e, pasmem! Se desculpou pelas peças da infância. Perdera o pai, complicações após uma cirurgia, estava trabalhando, estágio em uma firma de engenharia, estudava ali, também. Estava no terceiro semestre. Prontificou-se a servir de guia para Flávia na faculdade se ela precisasse. Apresentar-lhe algumas pessoas. "Tudo trouxa", brincou. Flávia não entendeu a referência na hora.
Começaram a andar juntos. Ficaram amigos. "A namorada dele deve ser uma guria sortuda pra caramba.", pensou a Flávia encantada com a mudança dele da água pro vinho. "Está solteiro!", descobriu uma efusiva Flávia. Era só esperar, concluiu. Em algum momento ele vai dar o bote, certo?
É... Não. A mudança de atitude do Bartolomeu fora profunda, mesmo. Respeitador até demais. Levando todo o lance de amizade extremamente a sério.
"Ai, que bonitinho", pensou a Flávia. E preparou-se, ela, pra dar o bote.
Tentou, primeiro, contato físico. Passava a mão na perna dele enquanto conversavam. Sutil demais. Não funcionou.
Tentou algo um pouco mais descarado. O recebia em casa em trajes sumários. Shortinhos ínfimos. Blusas amarradas sob os seios dando-lhes volume. Também não surtiu o efeito desejado.
Foi tentando coisas. Abriu cartas de tarô para ele, "só de farra!", onde "via" que a mulher da vida dele estava mais próxima do que ele imaginava. O levou pra ver filmes de horror no cinema onde se abraçava forte nele a cada susto fingido. Pediu massagens nas costas. Nada parecia funcionar. Teria o Bartolomeu crescido e se tornado uma bichona? Resolveu fazer um último movimento. Daqueles escondidos dentro de uma caixa sobre um martelo e onde se lia: Em caso de emergência quebre o vidro.
Chamou o Bartolomeu para jantar na casa dela. Sexta á noite. Quando o Bartolomeu chegou, encontrou a porta entreaberta. As luzes apagadas, velas aromáticas acesas por toda a parte e a voz de Barry Whyte ecoando pelos cômodos do apartamento entoando uma daquelas melodias mezzo sexy, mezzo cafona.
Fechou a porta atrás de si e entrou a passos lentos. Na sala, sobre a mesa, morangos e uma garrafa de vinho. Assomou na porta, a figura de Flavinha, usando um conjunto de lingerie que merecia canções e sonetos. Jogou os cabelos pra trás, e olhando Bartolomeu com os olhos semi cerrados disse:
-Bartolomeu...
Ele respondeu com a voz embargada e a boca entreaberta:
-Flavinha?
Ela completou articulando bem as palavras com os lábios cobertos de gloss:
-Ou dá ou desce.

2 comentários:

  1. ahhh essas pessoas que não entendem os sinais não verbais....sempre nos obrigando á estabelecer medidas urgentes e insanas...

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  2. O que se pode fazer? Nós homens somos assim, sutis feito o Diabo da Tazmânia.

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