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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sinais


O Irineu parou na frente do balcão da pastelaria com os fones enfiados nas orelhas. Atrás do balcão o pasteleiro, tiozinho simpático, japa, a maior cara de Sonny Chiba, lembra dele? O Hattori Hanzo do primeiro Kill Bill? Então, parecido com ele. O pasteleiro olhava o Irineu com interesse. O Irineu ficou olhando pra tabela de preços do dublê do Sonny Chiba, escolhendo um sabor de pastel enquanto ouvia Revolver dos Beatles. Pensou um pouco. Suspirou e abriu a boca pra falar, mas parou. A Beatriz passou andando rápido, também com fones nos ouvidos, na porta da pastelaria e acenou pra ele. Ele a viu, e imediatamente tirou os fones do ouvido e gritou sorrindo:
-I'm Only Sleeping, e tu?
-Blackbird! -Ela gritou de volta, com um sorrisão bem aberto e ainda caminhando.
O irineu sorriu e ficou olhando ela ir embora. Quando ela sumiu de vista, o Irineu sorriu pro pasteleiro:
-Um de palmito. Médio, por favor.
O pasteleiro começou a fazer o seu ofício, e perguntou casualmente:
-Por que aquela moça bonita não tá aqui contigo?
O Irineu sorriu sem responder, olhava pro chão. Ainda sorrindo. O pasteleiro perguntou de novo:
-Ela parece gostar de ti. Tá na cara que tu gosta dela... Qual o problema?
-É complicado. -Balbuciou Irineu.
-Complicado é ruim...
-É... A gente acostuma, eu acho.
-Acostumar com "complicado" é ainda pior, eu acho.
O Irineu não respondeu. Silêncio, exceto pelo ruído do azeite fervendo. O japonês tirou o pastel do óleo fervente com uma pinça grande, o pousou em uma bandeja forrada com uma toalha de papel que absorveu a maior parte da gordura.
-Pra levar?
-É.
Embrulhou o pastel, o colocou em uma sacolinha plástica.
-Três "pila".
O Irineu olhou em volta enquanto sacava a carteira do bolso.
-E um refri de lata.
-Cinco pila.
Irineu pagou, andou até a geladeira e pegou uma lata de Fanta. Se dirigia à saída, quando o pasteleiro perguntou:
-Vai falar com ela quando?
O Irineu sorriu.
-No dia em que a gente estiver ouvindo a mesma música.
-Ah... Um sinal, né? Pra garantir.
O Irineu assentiu com a cabeça, sorrindo. Mas o pasteleiro fez uma expressão intrigada:
-Mas e se já tiver havido algum outro sinal? Um mais sutil, mas com mais significado?
O Irineu não sabia. Deu de ombros.
-Hoje vocês dois ouviam Beatles... Há quem possa considerar isso um sinal. Ela te acenou, isso, pra mim, é um sinal bem claro, também. A tua cara olhando ela ir embora, nossa, sinalaço... Eu não sei. Talvez, se tu esperar demais por um sinal muito específico, pode acabar perdendo uma parte muito boa, de alguma coisa muito boa. Sei lá...
O Irineu ficou pensativo um instante, olhando pra sacolinha com o pastel na mão direita. Então levantou a cabeça e se deu conta de o quanto o pasteleiro parecia com o Hattori Hanzo.
-O senhor é de onde?
-Dom Pedrito. - Respondeu o japonês.
-Ah. Bom... Obrigado, hein? Tchau.
O Irineu foi embora. Se o pasteleiro fosse de Okinawa, ah, isso seria um tremendo sinal, mas Dom Pedrito? Isso não significava nada. Colocou os fones de ouvido, apertou o play e George começou a cantar Love You To. Enquanto isso, cerca de quatro quarteirões adiante, Beatriz começava a ouvir a mesma música, ela que era apaixonada pela voz do Harrison e pelo som da cítara, mas o Irineu nunca ficou sabendo disso, pois esperava por sinais específicos demais enquanto nem sabia interpretar os que haviam ao seu redor.

2 comentários:

  1. E o medo de estar sendo precipitado, de estar enganado, de ter confundido as coisas? Com um sinal grande, dos bons, temos o respaldo do destido pra arriscar. Acho que é por isso que nos apegamos tanto á essa coisa do ''acaso'', uma pena porque o acaso, não acontece toda hora, é uma vez ou outra só. Ai dá nisso. O Irineu fica esperando um outdoor fluorescente com dançarinas de cancan em 3d cantando : vai com tudo Irineeeeu, que ela gosta de você tambééém.
    Complicado né?

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  2. Aahahahahahahah, as dançarinas de cancan deram um toque todo especial ao teu outdoor.

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