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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Glossário


Têm palavras que dá gosto de dizer. Não são todas, não servem pra qualquer situação, mas puxa, são muito gostosas de usar. Elas servem pra dar impacto a um relato, ou pra expressar a veracidade de uma surpresa. Há quem empregue palavrões com essa finalidade, eu, embora escreva alguns palavrões, falo muito poucos. Aquele "Caralho!" exclamado quando bato com o dedo mínimo do pé esquerdo no rack do computador em um gélido dia de inverno Porto Alegrense, sempre sai. Durante um jogo de futebol, vociferações de baixíssimo calão sobre a mãe do juíz e como as habilidades dela são admiradas na zona do baixo meretrício, também podem acontecer, jogando video game com os amigos, claro, mas meio que para por aí. Eu prefiro, via de regra, não dizer palavrões, até por que o nosso vernáculo tem tantas palavras bacanas pra todo tipo de situação...
Adoro negar coisas com um "não peremptório", por exemplo. Putz, que prazer dizer "peremptório". "Peremptório" é genial. Não deixa margem pra argumentos.
-Vamos ao cinema ver Lua Nova?
-Ah, não.
-Ah, vamos, por favor...
-Não. Peremptoriamente, não.
Ah, coisa boa. "Absolutamente não", "veementemente não" poderiam surtir o mesmo efeito, o tradicional "nem fodendo", também, mas, uh, peremptoriamente... Ah, peremtoriamente é totalmente diferente.
Lascívia é outra. Quando os homens querem se referir ao desejo sexual de certas mulheres, o que mais se ouve é "ninfo", "tarada", "sem-vergonha".
Blá.
Nenhuma dessas chega aos pés de "lasciva". Ninguém tem medo de uma tarada, nem de uma ninfomaníaca, tampouco de uma sem-vergonha, mas "lasciva"... Ah, "lasciva" gera aquele misto de curiosidade e receio.
-Cuidado, hein, Guilherme. A margarete anda te mirando com lascívia nos olhos.
-Quê?
"Lascívia" deixa o Guilherme assustado, nervoso, com um pé atrás, mas ao mesmo tempo, louco pra saber se o resto da Margarete faz justiça ao olhar dela.
Se o Guilherme ficasse sabendo que a Margarete tava "cheia de amor pra dar", ele talvez nem sequer levasse em consideração, mas "lasciva"... "Lasciva" não pode ser ignorado.
"Abalroar", então? Esbarrar acontece, as pessoas se esbarram, carros colidem, esbarrões e colisões são pequenos acidentes, agora, um abalroamento... Nossa, "abalroamento" é tombo feio na certa, com direito a luxação e osso fraturado, "abalroamento" é naufrágio, "abalroamento" não deixa sobvreviventes.
E pra tamanho? Tem que ser "Abissal". Grande? Bobagem, há bebês que são grandes. Enorme? Aviões são enormes. Gigantes? Há centenas de edifícios gigantes no mundo, mas "abissal"? Não... "Abissal" assusta. Tu sente vertigem tentando encontrar a parte mais alta de algo que é "abissal", se um troço abissal estacionar na tua cidade, centenas de pessoas vão ter um infarto.
Bagunça, criancinha faz bagunça, mas "baderna", não. "Baderna" é caso de polícia. Bagunçeiros apenas nos irritam, mas "Baderneiros" nos revoltam.
Barulheira, por exemplo, barulheiras acordam velhinhas, barulheira faz a vizinha do 614 reclamar com o síndico, "zoeira", por outro lado, é, no mínimo multa, na pior das hipóteses abaixo-assinado pra obter ordem de despejo. Ninguém suporta "zoeira".
Temos muitas palavras boas pra usar. Quando usamos um palavrão por escolha, querendo dar um ar mais coloquial a um diálogo, ou demonstrando quanta intimidade temos com um amigo, é uma coisa, mas querer usar palavrão pra expressar emoções... Nah, não precisa disso, nossa língua tem palavras pra tudo, são tantas que a gente pode se dar ao luxo de usar sinônimos pra diferenciar quando a mesmíssima coisa é boa de quando não é.
É como se despedir de alguém de quem se tem muitas saudades com um "amplexo". Abraço a gente dá até em cunhado, mas "amplexo" é um lance que a gente guarda pra quem importa de verdade. Amplexo é pra amigos com quem se divide confidências, pra aquele amigo a quem doaríamos um rim. Os abraços a gente distribui na festa de fim de ano da firma, os amplexos estão guardados e etiquetados em um cômodo mais secreto que a Bat-Caverna e dados unicamente no momento certo, e apenas áqueles que merecem.
Ao contrário de "ósculo". Se beijo a gente dá em quem a gente ama, se o beijo é macio, saboroso, quente, uma manifestação de como queremos bem a uma pessoa, "ósculo" é o que a gente dá naquela tia velha que tem costeletas de Emerson Fittipaldi e unha de catador de marisco.
-Vixe, lá vem a tia Nilza, vou ter que dar um ósculo na véia...
Na dúvida, lembre que, se te der água na boca, é beijo, ósculo meio que te repugna.

2 comentários:

  1. Ah eu também não falo palavrão.Escrevo, mas não falo não.( e não pega bem uma menina que tem tatuado a palavra delicadeza falando vai toma no **)
    Até em jogo de futebol, na hora de xingar o juiz, eu falo ''ô juiz seu corno'', aos berros, mas não é palavrão. ( confeso que vez ou outra, jogando video game, eu xingo o Robotinic de filho da p***, mas é só naquela fase que eu não consigo passar só )
    E é meu dever te parabenizar quanto à seu vocabulário. Já te falei isso e volto á dizer, cada vez que venho aqui aprendo uma palavra nova que enriquece a diversidade do meu cotidiano.
    :)

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  2. Ah de se ter um pouco de obsessividade para buscar tantos sinônimos e a profundidade do significado de cada um deles.

    Quando escrevo os relatórios, sempre vem a coordenadora e a secretária perguntar, no meio do ano foi a palavra "engendrando", no pós, foi "ensejamento" e na orientação de uma colega, "imanente".

    Mas acho que o bom é ampliar o vocabulário. Esses dias, lembrando de ti, montei um problema matemático que dizia: "Márcio é um cinéfilo..." As crianças tinham que fazer uma observação no final da folha, até mesmo, pra família saber o que era!!!

    Gosto de vocabulários rebuscados, e temos que ter o equilíbrio de saber com quem usá-los, senão, será como o Cara disse: "pérolas aos porcos".
    Ah, mas quando preciso usar um palavrão - e a ciência já comprovou - é bom, relaxa!!!

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