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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Medos


Foi em uma tarde fria de inverno, sentado em um banco de pedra do parque da Redenção, que Arnaldo, cansado após correr por mais tempo do que seus pulmões e suas pernas podiam suportar, percebeu a aproximação de um sujeito.
Era uma quarta-feira à tarde, Arnaldo recebera folga do serviço e foi correr em um horário em que o parque estava mais vazio, queria evitar multidões, e agora, estando sozinho em um raio de vários e vários metros, via a aproximação daquele camarada suspeito.
Como fazia sempre que alguma situação se apresentava, Arnaldo avaliou-a de forma científica e comedida. O sujeito que se aproximava podia ser apenas um transeunte. Um sujeito que também fora à boa e velha Redença para se exercitar. Não devia ser, não estava vestido apropriadamente. Usava jeans, botinas e um casaco de moletom com capuz sobre uma touca de lã enterrada até as sobrancelhas.
OK, o sujeito que se aproximava podia ser apenas um transeunte. Um sujeito trabalhador e atarefado que cortava caminho entre a Oswaldo Aranha e a João Pessoa pelo parque respirando um pouco de ar puro naquela mini-floresta em meio ao caos da cidade. Não devia ser. O sujeito não parecia ter nenhuma pressa, andava devagar, avaliando o espaço cada vez menor entre ele e o lugar onde Arnaldo estava sentado.
Mais uma tentativa, então: O sujeito que se aproximava era uma das bichonas sobre as quais ouvira falar. Que iam ao parque em horários de menor movimento tentar saciar sua sede de sexo casual com outros homossexuais que estivessem ali com a mesma finalidade... Podia ser. Embora, pelas feições do sujeito, Arnaldo jamais fosse julgar que tratava-se de um pederasta.
Uma última chance: O sujeito que se aproximava era um assaltante extremamente dedicado. Tão dedicado que nem esperara escurecer para começar seu trabalho de assaltar transeuntes que se exercitavam no parque. Podia ser... Não era comum, mas fazia sentido. Arnaldo se perguntou como definiria o sujeito que seguia andando disfarçadamente em sua direção com mais propriedade: "Aquele veado", ou "Aquele marginal"? Certamente estava mais pra "Aquele marginal". Arnaldo pensou em se levantar e começar a correr na direção contrária a do sujeito. Não seria sem sentido, ele estava vestindo tênis com amortecedores, calções, uma camiseta muito suada onde lia-se "running", relógio e boné. Tudo nele indicava que ele era um corredor.
Não seria um fiasco, ele não precisaria sentir-se um covarde como se sentia na escola quando mudava a direção de seu trajeto evitando cruzar com os marmanjos da oitava série. Nem qundo ele era adolescente e sentia a urgência de atravessar a rua quando via um grupo de maltrapilhos vindo na direção contrária. Ele podia se levantar, alongar-se rapidamente, e sair correndo de onde estava sem levantar a menor suspeita. Ninguém jamais o taxaria de covarde. Era apenas a sequência natural dos fatos. Ele sentara após correr um pouco, recuperara o fôlego, descansara os músculos cansados, e voilá, estava se pondo a correr novamente, certo?
É... O Arnaldo não conseguia. Ele se sentia tão envergonhado quando evitava os marmanjos da oitava série no ensino fundamental que em inúmeras oportunidades cruzou os grupos de maltrapilhos andando e forma altiva. Desde os quatorze anos não fugia de uma briga para o bem ou para o mal, e, por alguma razão, ficou ali sentado quando todos os seus sentidos lhe mandavam levantar e sair de onde estava.
Lutou contra seus instintos por breves instantes, até que não havia mais tempo. O sujeito assomou diante dele e perguntou com uma voz fanhosa e que tremia como um motor de motocicleta de baixa cilindrada:
-Tem horas, véio?
Arnaldo olhou o relógio e respondeu:
-Quatro e quinze.
O sujeito não agradeceu, deus as costas a Arnaldo, enquanto olhava os arredores, e então virou-se rápido, já com um revólver em punho.
-Dá os tênis, o relógio e o boné, e ligeiro.
A arma, um trinta e oito enferrujado de cano curto, estava a pouco mais de trinta centímetros do rosto de Arnaldo. Não era, infelizmente, a primeira vez que Arnaldo encarava o cano de uma arma. Já acontecera antes.
-Porra, velho... Sério? Tu vai roubar os meus bagulhos na cara dura?
-Anda, velho, os bagulhos, agora!
-Não.
-Anda, meu, se não te meto um pregaço na cara!
-Quer saber, vagabundo? Eu duvido que tu tenha colhão pra me meter uma bala. Sério, mesmo. Duvido. Digo mais, quero ver: Atira se for homem.
O sujeito empunhou a arma com mais força, como se fosse puxar o gatilho, mas Arnaldo nem piscou. Continuou o encarando:
-E pra hoje, boneca?
O meliante tentou novamente, dessa vez sua voz de motor de 50 cilindradas saiu baixa, cheia de dúvidas, quase perguntando:
-Vá lá, véio... Os bagulhos...
Arnaldo se levantou. Era bem mais alto do que o assaltante:
-Seguinte, chinelão: Tu vai te mandar daqui agora, e aí, quem sabe, eu não te encho de porrada.
O assaltante olhou pra arma, a enfiou de volta no bolso da jaqueta e saiu andando. Após uns seis metros virou e gritou:
-A gente vai se cruzar numa quebrada uma hora dessas.
Era possível, claro, mas muito improvável, pensou Arnaldo. De qualquer forma, ele raramente corria na Redenção, seu local de exercícios predileto era a avenida Beira-Rio, de modo que era quase nula a chance de encontrar aquele assaltante novamente.
Arnaldo não era a prova de balas, nem tinha aquela qualidade intimidadora de Clint Eastwood, Charles Bronson e de seu avô, nem tampouco era um suicida em potencial, como já foi mencionado, não fora a primeira vez que Arnaldo se vira encarando o cano de uma arma carregada. Dez anos antes, ele perdera cinquenta reais e uma camiseta de goleiro linda do Inter, toda preta, da Adidas, em um situação semelhante, a única diferença de lá pra cá? A arma, daquela vez, estava carregada. Dessa vez, não. Quando o sujeito apontou-lhe a arma, Arnaldo viu que as quatro câmaras expostas do tambor estavam vazias, achou pouco provável que um assaltante saísse para desempenhar seu ofício com apenas uma bala no revólver, um revólver tão, mas tão enferrujado, que provavelmente nem atirava mais.
Arnaldo era assim. Analisava tudo. Precisava disso. Já escapara de inúmeras outras situações que pareciam roubadas sem conserto por conta disso. Arnaldo não era um maníaco controlador, não queria controlar as pessoas, da maioria, na verdade, queria apenas distância, mas gostava de ter algum controle sobre situações, especialmente as difíceis.
Arnaldo também não era de sentir medo. Seu perfil extremamente analítico o tinha tornado uma pessoa que, na maior parte das vezes, não chegava nem sequer a ficar apreensivo. Não é que fosse um Demolidor, um Homem sem Medo, nem que fosse um Sherlock Holmes, ciente de tudo ao seu redor, mas era quase um escoteiro, sempre alerta. Apenas duas coisas assustavam Arnaldo:
Se apaixonar e não poder cuidar das pessoas que amava.
E, com mil demônios, as duas coisas estavam acontecendo com ele àquela altura.

2 comentários:

  1. Av Beira-Rio é onde o pessoal corre por ai ? Aqui onde eu corro , chama Parque do Povo, é bonito, tem uma pista bacana de corrida. Corro todo dia depois da faculdade, é hiper tarde e meio deserto,mas não tenho medo de assalt não. De valioso tem o mp3 e o tênis na hora, mas tenho certeza que eu corro muito mais que qualquer trombadinha !!
    Adorei o '' porra velho, sério que tu vai pegar meus bagulhos na cara dura mesmo ? '' hahaha, ele discutindo a situação foi ótimo. A única vez que fui assaltada, foi numa noite voltando de uma partida de futebol, quase na esquina de casa. bati um papo com o assaltante também - Ah moço...fala sério? Vai querer roubar de mim? Eu sô pobre moço, pra que fazer isso? Deixa isso pra lá vai... haha, por isso achei engraçado o Arnaldo, lembrei desse dia.
    E ele tem razão também. Existe algo mais apavorante, mais assustador do que se apaixonar e não poder assistir à quem se ama? Nem uma manada de rinocerontes ( o coletivo de rinocerontes é manada ?) seguidos de zumbis, seguido do Ed209 com o mestre splinter na garupa é mais medonho que essas duas situações...

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  2. Pois è, a Beira-Rio è bonita, bem movimentada e è longa, è legal correr là, pois dependendo da hora ainda dà pra ver o pôr do sol. Ah, eu jà fui assaltado algumas vezes, mas nada de muito grave, a coisa mais valiosa que perdi foi, justamente uma camisa de goleiro do Inter, quanto ao medo, pôxa, pra superar uma manada (è esse mesmo o coletivo) de rinocerontes, o ED 209, zumbis e o mestre Splinter, então tu concorda, mesmo comigo!

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