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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Amor é um zorrilho.


-O amor... - Começou o Everaldo, arrancando um suspiro do Paulo Roberto.
-O que tem o amor, Everaldo? - Perguntou, a contragosto.
-O amor é um zorrilho, Pê Erre... O amor é uma porra dum zorrilho manco e faminto... - Disse Everaldo, com os braços caídos sobre o próprio colo, encarando as bolachas de chope de sempre, na mesa de sempre, no bar de sempre. Encarou o Paulo Roberto com os cantos da boca virados pra baixo e reforçou com um cochicho, a voz começando a embragar:
-Um zorrilho...
-Putz... Um zorrilho? - Perguntou Paulo Roberto, comendo uma castanha de caju da tigela de vidro verde no centro da mesa.
-Um rozilho, Pê Erre... Digo, um zorrilho. É uma porra dum zorrilho, um bicho fedido, um bicho medonho, um bicho nojento...
-Ah, peraí, Everaldo, os zorrilhos não são medonhos, vá... São bonitinhos, até... Não te lembra do Peppe Le Pew, dos Looney Tunes? Todo romântico, e tal, apaixonado por aquela gata... Como era o nome da gata?
-Cala a boca, Pê Erre. Não tá vendo que eu tô em crise?
-Everaldo, meu velho, tu tá em crise desde que eu te conheci. E isso já tem uns vinte e poucos anos.
-Baita amigo, tu é. Eu aqui, fragilizado, e tu tirando sarro de mim. Quer saber o que mais? Vai tomar no olho desse teu cu, tá sabendo?
O Paulo Roberto riu enquanto sinalizava pro garçom pedindo mais uma Coca-Cola.
-Tá bom, Everaldo, então abre o teu coração. Me diz qual é o mal que te aflige.
O Everaldo resmungou alguma coisa enquanto se endireitava na cadeira com os braços equilibrados sobre a mesa molhada que sujou as mangas de sua camisa branca. Suspirou como quem ia começar a falar, mas refreou-se quando o garçom chegou com o refrigerante do Paulo Roberto.
-Mais um chope, Everaldo? - Perguntou o rapaz, apontando com o queixo pro copo vazio diante do cliente.
-Agora não. - Respondeu o Everaldo.
-Obrigado. - Complementou Paulo Roberto, olhando pro Everaldo com reprovação.
Serviu a Coca no copo com gelo e limão e olhou pro Everaldo:
-Então...?
O Everaldo suspirou, olhando em volta.
-Pê Erre... Tu é feliz?
O Paulo Roberto ficou encarando o Everaldo sem expressão.
-Como assim...? Quer dizer... Não sei, por que isso?
-É uma pergunta simples pra caráleo, Pê Erre, a resposta devia ser, também. Tu é feliz?
O Paulo Roberto ficou sério... Olhou pro próprio copo, olhou pra TV do bar, ligada na ESPN, e riu:
-Cara... Não é assim tão simples... Quer dizer... Se eu tivesse que dizer simplesmente sim ou não, eu diria provavelmente que não... Mas eu não acho que a vida seja assim, eu não acho que a gente seja feliz ou infeliz, acho que a gente tem momentos de felicidade e de infelicidade. Eu já experimentei os dois, entende? Já fui feliz e já fui triste. Acho que a gente não pode se definir como feliz ou infeliz porque, quer dizer, a vida vai sucedendo episódios, então, a gente não pode dizer "eu sou feliz" ou "eu sou infeliz", porque logo ali adiante, pode acontecer alguma coisa nova e mudar isso.
O Everaldo ficou olhando detrás dos óculos pro Paulo Roberto enquanto mexia com o dedo em um anel de água que suara de um copo de chope:
-OK... Faz sentido... Eu acho que tu ficou punheteando o assunto pra não responder, mas tem fundamento no que tu disse... Então me diz... Hoje... Tu tá feliz?
O Paulo Roberto jogou a cabeça pra trás e contraiu os lábios como quem reclama, mas se conteve. Suspirou:
-Hoje, em que sentido? Na últimas vinte e quatro horas? Nessa fase da minha vida? Nesse momento?
-Digamos na porra das últimas vinte e quatro horas, Pê Erre.
-Bom... Eu diria que sim, quer dizer... Eu estou com um amigo, que mesmo sendo chato pra caramba, depressivo, e incapaz de apenas jogar conversa fora como qualquer pessoa normal me acossa com profundas questões filosóficas... Estou vendo gente, tomando um refrigerante geladinho, comi um sanduíche bastante satisfatório, não me aconteceu nada de ruim no trabalho, minha casa está dentro de um patamar que eu considero funcional... Sim. Eu diria que nas últimas vinte e quatro horas eu estive mais pra feliz do que pra infeliz.
O Everaldo comeu uma castanha-do-pará da tigela no centro da mesa.
-"Mais pra feliz", tu disse... Mas feliz, feliz mesmo... Tu tá, Pê Erre?
O Paulo Roberto se impacientou:
-O que tu quer ouvir, Everaldo Que eu sou infeliz? Que minha vida é uma merda? Que eu me acordo todo dia de manhã pensando que ela não tá comigo? Que eu não senti mais o cheiro dela, do cabelo dela, que eu não vi mais o rímel em volta dos olhos dela, nem senti o sabor do batom com nome fazendo referência a alguma coisa fofa, que eu não senti mais a textura da pele dela, que eu não senti mais a maciez dos lábios dela... Então tá, eu sou infeliz, eu sou miserável, eu sou um desgraçado, um arremedo tristonho de gente, um autômato movido a sofrimento, tá melhor assim? Assim satisfaz a tua necessidade de companhia na tragédia?
O Everaldo tirou os óculos e os limpou enquanto acenava pro garçom com seu copo vazio. Colocou novamente os óculos no rosto enquanto pigarreava:
-Tu percebeu, né, Pê Erre... Que quem falou dela não fui eu... Foi tu. De qualquer forma, me agrada saber que tu tá infeliz por causa dela. Sabe... Isso me conforta por que vai ao encontro da minha ideia dessa questão de felicidade e infelicidade. Sabe, o meu ponto de vista, Pê Erre, é que, porra, se tu já foi feliz, como eu acho que tu foi com ela, e como, caralho, eu sei que eu já fui, quer dizer... Quando tu experimenta a definição de felicidade que é se sentir completo no abraço de alguém, ou se sentir melhor porque encontrou uma pessoa que te força sem nenhum esforço a ser o teu melhor... Porra... Porra, Pê Erre... Depois que a gente experimenta a felicidade desse jeito, sabe? Como essa merda é feita pra ser, porque, se existe um Deus, e ele inventou a felicidade, a porra que ele tinha em mente era isso: A completude que tu encontra em outra pessoa. O acalento. A calidez... Puta que pariu, tô me desviando do assunto...
Everaldo silenciou quando o garçom chegou, passando um pano na mesa para secar o excesso de água, pousou a bolacha e o copo diante do Everaldo, e saiu ouvindo o obrigado do Paulo Roberto.
Everaldo seguiu:
-De qualquer forma, Pê Erre, quando tu experimenta a felicidade que a gente experimentou ao lado delas, todo o resto é infelicidade. E sabe o que é mais estranho nessa putaria toda? Eu nem sequer lastimo a infelicidade de agora, porque essa porra serve pra eu lembrar o quanto eu já fui feliz. Por isso o amor é um zorrilho, Pê Erre, ele fica impregnado em ti, e não importa quantos banhos tu tome, em algum momento, tu vai lembrar do cheiro.
O Paulo Roberto pensou em parar de beber, mas lembrou-se que não bebia já tinha alguns meses. Tomara apenas refrigerante naquela noite. Isso o deixou, de fato, alarmado. Ele encontrara sentido no que lhe dissera o Everaldo, e sequer estava bêbado.
Era um mundo torto aquele em que Paulo Roberto vivia. Everaldo falava coisas com sentido, e ela e ele estavam separados.

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