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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Melhor


Se encontraram ao acaso na rua após dez anos, e Lisa e o Reginaldo. Foi ela quem reparou nele, já que ele costumava andar olhando sempre pra frente, evitando as pessoas que atravessavam seu caminho, com seu passo largo e apressado. Ela, pequenina, estacou em sua frente e sorriu. Ah, Deus... Nem que não quisesse parar Reginaldo poderia ter prosseguido. O sorriso dela o deixou brevemente de pernas moles. Ele sorriu de volta, timidamente, meio sem graça. Ficou olhando pra ela. Deu-se conta de que já passara mais de meio minuto a encarando e balançou a cabeça como quem acorda:
-Oi, guria... Tudo bem? - Perguntou.
-Tudo, e contigo? - Ela respondeu, olhando pra ele. Estava mais magro. Parecia mais alto. Estaria mais alto? Só tinha um jeito de saber. Deu dois passos pra frente e o abraçou de maneira terna. Sua cabeça batia-lhe na altura do peito. Não. Ele não estava mais alto.
-O que anda fazendo aqui? - Ele perguntou enquanto a soltava afagando-lhe de leve nos ombros desnudos exceto pela alça da blusa vermelha que ela vestia.
Ela riu enquanto passava a mão nos cabelos macios e perfumados e olhou pra baixo um instante:
-Eu moro aqui, agora.
Ele colocou as mãos nos bolsos enquanto suspirava fazendo cara de surpresa:
-Uau... Tu mora aqui, então...
-Moro. -Ela respondeu. -Já tem alguns anos, na verdade.
-Que legal... E tá gostando? - Ele perguntou, tirando as mãos dos bolsos e cruzando os braços.
-Tô... Tô sim. Tô achando muito maneiro.
-Que ótimo... E tá trabalhando?
-Tô. Tô sim.
-Na tua área?
-É. Mas não te preocupa, não é na empresa da música do logotipo. - Ela sorriu.
-Quê? - Ele inquiriu cerrando o cenho.
-A empresa lá... Onde você me mandou não trabalhar por causa da música explicando o logotipo...
-Ah, a tá... - Ele riu da própria falta de memória. - Sim... Mas não era logotipo. Era logomarca. Eles explicavam a logomarca.
Ela não disse nada, apenas sorriu. Ele percebeu que estava balançando o corpo pra frente e pra trás feito um autista de filme em crise. Endireitou-se. Olhou pra ela e se desconcentrou, desmanchando o sorriso falso que construíra.
-E no mais... Tudo jóia? - Ele perguntou, imaginando porque o silêncio o estava deixando tão desconfortável.
Ela olhava pra ele, ainda sorrindo, mas suas sombrancelhas, arqueadas como as de Peter Pan, apontaram brevemente pra cima quando ela balbuciou que sim.
Ele teve ímpetos de apanhá-la pela mão e beijar seus braços e pescoço e lábios. De cheirar o perfume de seus cabelos e de seu colo, e de confessar o quanto lhe doera o silêncio da última década enquanto pedia perdão.
Não fez isso, no entanto. Com a voz embargada deu-lhe um abraço sintético, com tapinhas leves nas costas enquanto dizia como fora bom vê-la.
-Tchau. - Ela disse, acariciando-lhe o pescoço enquanto ele ajeitava a postura.
Saíram andando, cada um pro seu lado. Ele olhou pra trás, viu enquanto ela ia embora. Tão linda quanto dez anos antes.
Tentou se convencer de que ela estaria diferente, agora. De que todas as coisas que a faziam ser tão especial além da beleza e da delicadeza teriam se desfeito na esteira do tempo.
Não se convenceu.
Se ele ainda era, dez anos depois, um niilista misantrópico e solitário, ela ainda devia ser a quintessência do sonho de consumo nerd.
Desejou que ela estivesse bem e feliz. Desejou que ela estivesse trabalhando em um emprego onde pudesse ser a pesoa doce que sempre fora. Que tivesse uma vida cheia de alegria e realização. E até que namorasse o Ryan Gosling ou um dublê passável.
Ele, quebrado além de qualquer reparo que era, só podia desejar o melhor a alguém que o fazia querer ser melhor.

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