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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Destruição em Massa


O Márcio vinha andando pela rua e, volta e meia, levava a mão à orelha esquerda pra conferir se o brinco estava no lugar.
A preocupação de Márcio era porque o brinco em questão não era desses que perfuram a pele e a carne do lóbulo da orelha, mas um daqueles singelos brincos de pressão, de metal molinho, que, via de regra, são usados por meninas novinhas demais pra furarem as orelhas.
O Márcio, pra ser bem franco, nem queria usar brinco. Nem de orelha furada nem de pressão, mas foi convencido por seu amigo Ângelo de que brincos não eram seara exclusiva de mulheres, piratas e ciganos, e rachou um par dos tais brincos com o amigo, cada um ficaria com uma peça, que usariam orgulhosamente na orelha esquerda, pois brinco na orelha direita era sinal em código de gays para gays, e nenhum dos dois queria ser confundido com um homossexual.
Enfim, lá vinha o Márcio, ostentando o seu brinco de pressão, quando viu, na esquina para onde rumava, a Denise e a Aline.
A Aline, gordinha ruiva, carinha bonita, e a Denise... Ah, a Denise...
A Denise era tipo, o sonho de consumo do Márcio. Era a mãe dos filhos do Márcio se ele decidisse tê-los, a mulher com quem o Márcio, no alto dos seus quinze anos, queria envelhecer junto.
A Denise não era bonita, mas era gostosa. Minha nossa, como era gostosa.
Se de cara lembrava a dona Florinda, do seriado Chaves, tinha o corpo todinho no lugar, e a barriga, prepare-se para babar, igualzinha a da Padmé Amidala em Star Wars - O Ataque dos Clones, naquela parte da arena em Geonosis, sabe? Quando o nexu rasga a blusa dela? Então, a barriga da Denise era igual que nem a da Natalie Portman.
E, não bastasse ter aquele corpo terrivelmente gostoso, a Denise era metida a adulta, tinha uma qualidade algo condescendente, parecia tratar a todos como crianças, mas, salvo raras ocasiões, não parecia estender esse tratamento ao Márcio, e ele via isso como um sinal, ainda que tênue, de apreço, mesmo quando ela era particularmente mordaz para com ele.
A Denise namorava sempre com sujeitos mais velhos que, via de regra, eram tipos bem escrotos, já na casa dos dezoito, vinte anos, que se aproveitavam dela por breves intervalos e depois desapareciam sem deixar vestígios. Quando isso acontecia, a Denise, de coração irremediavelmente partido, não chorava as mágoas para a Aline, ou para alguma outra de suas amigas, as chorava para o Márcio, que, muito jovem e inexperiente, não entendia o conceito de friend zone, e achava que poderia, eventualmente, escalar de ombro amigo até peito acolhedor se fosse paciente.
O Márcio vinha pensando nisso conforme se aproximava, e, quando as meninas o viram, sorriram e o cumprimentaram, ele devolveu as saudações com abraços e beijos, e, seu novo adorno foi imediatamente identificado por Aline:
-De brinco, Márcio?
Ele sorriu, sem graça, confirmando com um acanhado "é", Denise perguntou:
-Furou a orelha?
-Não, não, é de pressão. - Respondeu Márcio, honesto.
Denise, deu um de seus sorrisos jocosos, e falou, realmente virando os cantos da boca pra baixo de tanto desprezo:
-Eu sabia que tu não era homem o suficiente pra furar a orelha.
O Márcio ainda hoje não sabe o que foi, se foram as palavras ou o fato de elas terem sido mergulhadas em escárnio antes de serem servidas aos seus ouvidos, mas aquela sentença proferida pela Denise tocou, dentro do peito pueril de Márcio um alarme. Um alarme que o fez entender, rapidamente, que para a Denise, ele era só um ombro amigo. Só um dos moleques da rua a quem ela podia encher os ouvidos de lamúrias sem ser julgada.
E nada mais.
Foi de posse dessa compreensão súbita, que o Márcio elaborou a resposta que ele sabia, era a resposta definitiva, a genki dama, o meteoro de pégaso, Hiroshima, Nagasaki e atol de Biquíni, o botão vermelho embaixo do tampo de vidro com listras amarelas:
Diria "Se tu acha que a medida de um homem está nas orelhas, não me admira que teus namorados sejam quem são...".
Diria isso, abriria a mão da Denise, colocaria o brinco de pressão sobre ela, e iria embora sem nunca mais falar com ela, nunca mais ouvi-la de coração partido, nunca mais escutá-la desafinando que a vida era uma merda, que o fulano, o beltrano ou o ciclano eram uns nojentos, e que ela nunca mais sairia com um sujeito daqueles na vida.
E pronto. Márcio teria vencido a guerra, saído por cima, vitorioso e de honra limpa.
A Denise que passasse o resto dos seus dias suportando os tipinhos obnubilados que invariavelmente partiam-lhe o coração. Ele iria adiante.
Chegou a tomar fôlego pra falar enquanto levava a mão ao brinco, mas refreou-se...
Que bem lhe faria magoar a coitada da guria?
A Denise, com sua barriga gostosa e pose de adulta era só uma fedelha insegura. Era só uma princesinha suburbana que achava que havia se apaixonado perdidamente uma vez por mês apenas pra descobrir que outro jovem adulto torpe e mal-intencionado havia tirado vantagem dela... O que, de positivo, tiraria Márcio de lhe dar um golpe seco de realidade na boca do estômago bem torneado? Alguma pequena satisfação sádica? Uma sensação vã de justiça urbana adolescente?
Márcio não precisava disso.
Ao contrário de Denise, sabia quem era, e era quem queria ser.
Era mais do que Denise, e qualquer um de seus namorados "adultos" podiam dizer.
Sorriu um sorriso triste para a Denise, e continuou andando sem dizer nada, ciente de que, muitas vezes, a maior prova de força que existe, é ter a arma definitiva de destruição em massa, e escolher não usá-la.

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