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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Pontos Altos


Ele saiu do serviço e deparou-se com ela sentada na mureta ao redor da árvore em frente ao prédio.
Vestia uma regata amarelo bem claro, uma calça jeans e chinelos Havaianas dourados. Se levantou, ligeira, e correu até ele o abraçando:
-O que é que tu faz de preto no ano-novo, criatura? - Repreendeu-o.
Ele riu.
-Ainda não é ano-novo, mulher, é ano velho. Bem velho, já estamos no tricentésimo sexagésimo quinto dia...
Ela sorriu e lhe estalou um beijo na bochecha barbada.
-Vim te convidar pra almoçar comigo. - Ela disse. -Entro em férias na segunda, então hoje de tarde tô indo pra "two-brothers" e só volto em fevereiro.
Ele sorriu de volta e a pegou pela mão, aceitando o convite.
Andaram conversando pela Fernando Machado até ela virar Lima e Silva, então, viraram a esquina com a República em direção ao parque da Redenção e entraram num Subway. Havia algumas pessoas na fila, e eles pararam aguardando sua vez.
-Que tu vai pedir? - Ela perguntou, olhando os adesivos colados ao vidro do balcão e os menus luminosos no alto da parede. -Teu sanduíche assinatura, o... como é que tu chama?
-O Ernest Hemingway. - Ele respondeu.
Ela riu.
-Ernest Hemingway? Por que?
-Porque ele é macho, repleto de conteúdo e sucumbe ante o peso da própria genialidade. - Ele respondeu com uma expressão séria e solene.
Ela gargalhou e pediu que ele repassasse o Ernest Hemingway. Ele riu enquanto descrevia o sanduíche de almôndegas com recheio em dobro e bacon extra, queijo suíço duplo e salada de picles e tomate mais molho parmesão, chipotle e maionese num generoso pão três queijos de trinta centímetros.
Ela estava olhando pro infinito como se estivesse imaginando o sanduíche dele.
-Parece gostoso... Mas porque tu diz que ele sucumbe ante o peso da própria genialidade?
-Porque eu nunca consegui comer um sanduíche Ernest Hemingway que não se desmanchasse em pedaços depois de duas ou três mordidas... - Ele confessou, triste.
Ela começou a rir.
-Acho que vou deixar o frango Teriyaki de lado e pedir um dos teus... Mas uma versão menos repleta de conteúdo... - Ela conjecturou.
-Ou menos macho... - Ele sugeriu.
-Ou isso... Um Hemingway Jr.?
-Não... Um F. Scott Fitzgerald...
Os dois riram.
Ela pediu o tal F. Scott Fitzgerald. Um sanduíche de almôndega de quinze centímetros turbinado com um pouco de bacon e que repetia todos os ingredientes do Hemingway, mas trocava o chipotle por honey mustard e acrescentava rúcula e pepino à salada dentro do pão de três queijos.
Sentaram-se juntos à mesa na calçada, e comeram.
Como era esperado, o Fitzgerald era ótimo, mas menos másculo que o Hemingway que, de fato, sucumbiu ante o peso de seu conteúdo excessivo.
Ela, sorrindo, perguntou-lhe:
-Resoluções de ano-novo?
Ele engoliu o sanduíche que mastigava, bebeu um gole de refrigerante, e respondeu:
-Vou me dedicar à academia, e, no segundo semestre, voltar a estudar.
-Muito bem! - Ela disse, sorrindo surpresa.
-Obrigado, obrigado. - Ele disse, fazendo um pequeno gesto de arco como quem aceita aplausos. -E tu? - Perguntou. -Alguma resolução?
-Sim. Vou me dedicar mais a mim. Não vou enlouquecer no trabalho, vou fazer coisas que eu gosto sem me estressar com as expectativas dos outros.
-Bom pra ti. Muito bem.
Os dois comeram mais um pouco. E ela resolveu continuar com a conversa:
-E o ano? Como tu classifica?
Ele bebeu mais um gole de refrigerante e disse:
-Não foi perda total... Teve seus bons momentos mas, no geral, é possível que tenha sido o pior ano da minha vida adulta, parelho com 2010.
-Nossa... Tanto assim? - Ela perguntou, fazendo cara de aflita.
-Sim... - Ele confirmou. -Não horrível a ponto de eu não querer mais viver nem nada do tipo. Não posso me queixar de tudo... Mas no geral, foi mais pra menos do que pra mais. Teve muita coisa ruim. - Ele tentou explicar.
-Entendo... - Ela disse.
Ficou em silêncio algum tempo.
Ele terminou de comer metade do seu Hemingway, então, embrulhou a outra metade em torno do guardanapo sujo de molho, terminou seu copo de Fanta, e disse:
-Tu foi um dos pontos altos, alemoa. Obrigado por ser minha amiga.
Ela sorriu dando uma piscadela:
-Não posso me privar de manter algum tipo de relação com um homem que batiza sanduíches com nomes de escritores da Geração Perdida.
Ele sorriu de volta:
-Uma hora dessas te faço uma batida Gertrude Stein.
E pegou a mão dela por cima da mesa.
-Eu fui um dos pontos altos, tu disse... - Ela começou. -Significa que há outros?
Ele sorriu pra ela e confirmou:
-Não muitos... Mas alguns.
-Feliz ano-novo, Ned.
-Feliz ano-novo, alemoa.

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E a todos os leitores da Casa do Capita, um feliz 2015.
Ano que vem tem mais.

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