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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Resenha Cinema: Macbeth: Ambição e Guerra


Eu vou confessar que, por mais que reconheça a grandeza dos escritos de Shakespeare, eu sou um tanto quanto reservado com relação à linguagem.
Estamos falando de peças escritas no século XVII, e na maioria das ocasiões, quando as obras do bardo imortal são revisitadas, parece que tudo é passível de alteração, as ambientações físicas, o período temporal ocupado pela obra, até o gênero dos personagens (Helen Mirren interpretou em, A Tempestade, um Próspero que era uma Próspera), tudo pode variar. Romeu + Julieta de Baz Luhrmann ganhou o pano de fundo de uma guerra de gangues em Los Angeles, o Coriolano de Ralph Fiennes era uma guerra lutada nos balcãs com fuzis AK-47, o Ricardo III de Ian McKellen era um ditador da década de 30... As peças de Shakespeare têm uma qualidade atemporal, suas tramas, em inúmeros casos, permanecem interessantes e relevantes mesmo se transportadas para outros períodos históricos, então, por que o texto falado pelos personagens nunca é tão atualizado quanto os demais elementos?
Porque Shakespeare é justamente a respeito da linguagem.
Todos os atores e diretores são atraídos, muito mais do que pelas tragédias ou comédias do dramaturgo, pelo seu diálogo empolado. Particularmente em seu idioma de origem.
Shakespeare é pra ser interpretado e visto, em inglês.
Tendo isso em mente, o Macbeth engendrado por Justin Kurzel é bem "roots" apesar de algumas liberdades criativas. Além de manter inalterada a linguagem original, a ambientação física e temporal da tragédia se mantém, e este Macbeth se passa na Escócia medieval.
Macbeth (Michael Fassbender) é um thane (um tipo de barão) escocês que luta em um fronte em desvantagem contra um traidor, Macdonwald, que junto a forças da Noruega e Irlanda, lidera um golpe contra o rei Duncan (David Thewlis).
A despeito da desvantagem, Macbeth obtém vitória, rasgando Macdonwald do umbigo ao queixo.
Enquanto celebra a custosa vitória junto a seu amigo Banquo (Paddy Considine), Macbeth recebe a visita de quatro (e não três) bruxas.
Os entes sobrenaturais surgem dizendo a Macbeth que ele será rei da Escócia, e que Banquo jamais sentará no trono, mas será o pai de gerações de reis por vir.
Chegando a Glamis, Macbeth conta de seu encontro com as bruxas à sua esposa, lady Macbeth (Marion Cotillard), que imediatamente passa a atiçar o marido para que acelere a profecia fazendo o que quer que seja necessário para alcançar a coroa, inclusive assassinar seu soberano.
O plano de lady Macbeth funciona, e após matar Duncan e afugentar seu filho mais novo, Malcolm (Jack Reynor) que se torna o principal suspeito do crime, o thane de Glamis e Cowdor é coroado o rei da Escócia.
Entretanto, alcançar o trono não acaba com os problemas de Macbeth.
Ele segue sendo acossado pelas visões das bruxas do campo de batalha, que o viram ser rei, mas lhe dera uma coroa e cetro estéreis, dizendo-lhe que sentar-se-ia no trono, mas que quem daria origem à linhagens de reis, seria Banquo.
O general e amigo de Macbeth, então, torna-se alvo da ambiciosa sanha assassina do rei, e não apenas ele, mas também seu filho, Fleance.
Cada vez mais assombrado pelos fantasmas de seus próprios atos vis, não tarda para Macbeth se tornar alvo das suspeitas do leal thane de Fife, McDuff (Sean Harris), empurrando o rei e sua rainha mais e mais para dentro do abismo em uma sucessão de atos nefastos que só podem terminar em tragédia.
É bacana.
O diretor Justin Kurzel utiliza alguns truques interessantes para tornar seu Macbeth um produto visualmente atrativo. Cenas de batalhas são filmadas em câmera ultra-lenta, com respingos de sangue e nacos de terra voando pelo ar como flocos de neve em um cenário que o cinematógrafo Adam Arkaphaw torna ora amarelo pútrido, ora vermelho sangue.
O sangue, por sinal, é quase um personagem.
Ele escorre, respinga e goteja de feridas, fazendo a tragédia Shakespeariana encontrar Game oh Thrones conforme espadas e adagas entram e saem de feridas que vertem sangue grosso e escuro.
Esses pequenos truques acabam mascarando um problema com a adaptação de Jacob Koskoff, Todd Louiso e Michael Lesslie, o roteiro um tanto quanto brusco da obra.
A "Scottish Play" é a mais curta das peças de Shakespeare, e a forma como o roteiro a aborda torna o desenrolar dos eventos algo truncado já que a trama do longa se desenrola em menos de duas horas.
Por sorte, há o elenco.
Fassbender é um sujeito habituado a interpretar personagens instáveis, assombrados e atormentados. A loucura assassina de Macbeth não é nada que o ator não possa descascar com graça, tornando a figura esguia e estilosa do guerreiro escocês uma persona claramente degradada e explosiva, que mesmo tentando ser afável é ameaçadora.
Marion Cotillard é outra que tira de letra. Sua lady Macbeth é menos insana do que outras versões, muito mais contida, e talvez por isso mesmo, mais perigosa.
Sua cara de esfinge, com seus olhos enormes e tom de voz baixo é, a seu modo, tão ameaçadora quanto os arroubos sangrentos de Macbeth.
Os arroubos, por sinal, se restringem ao campo de batalha.
De modo geral, este Macbeth é menos teatral do que outras versões. Os monólogos se dão de maneira mais intimista, sussurrados ou falados sem exagero em cenários como uma pequena capela, ou num quarto de dormir.
Uma das mais repetidas falas de Shakespeare, "a vida é uma história contada por um tolo, cheia de som e fúria e vazia de significado" não é bradada cheia de... bom, som ou fúria... Mas dita de maneira resignada pelo protagonista em um momento de contida tristeza.
Esses pequenos detalhes, esses pequenos acertos na hora de arriscar uma abordagem distinta a um texto de quatrocentos anos, reinterpretando cenas chave, ajudam o Macbeth de Kurzel a se sustentar e se destacar, superando os eventuais percalços da adaptação, e lançando mão de soluções engenhosas para tanto.
Infelizmente, adaptações shakespearianas continuam não sendo produto para todos os públicos, mas para quem faz parte desse público, ou gostaria de dar uma chance ao bardo imortal, este Macbeth é uma ótima pedida.

"Dia tão belo e tão vil eu jamais vi."

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