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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Tanto Quanto


A Marilene, trinta e poucos, loira, bonita, bem maquiada e bem vestida, sentada na mesa da praça de alimentação do shopping diante dos restos de um Mclanche Feliz mexia o pé num ritmo frenético que, acompanhado do tec-tec que o sapato fazia ao bater em seu calcanhar, era testemunho irretocável de sua impaciência.
Do outro lado da mesa o Maurício, trinta e tantos, moreno, aparência mediana, vestindo camiseta e jeans, sorria feito um guri bobo enquanto abria a base do sabre-de-luz de brinquedo e colocava novas pilhas.
A Marilene até fechou um olho antevendo o "prrwow" de quando a lâmina de LEDs fosse acionada.
O prrwow veio... Crianças de mesas próximas olharam pro Maurício com os olhos brilhando, ele continuava sorrindo.
Um menino mais desprendido se aproximou. Perguntou se era a espada do Star Wars, cheio de intimidade. O Maurício confirmou. Perguntou se o moleque queria brandir a arma. Ele inclusive usou essa palavra mesmo. "Brandir".
O guri talvez não tenha entendido o significado do verbo, mas certamente entendeu o gesto que o Maurício fez, desligando o aparelho e oferecendo o cabo do brinquedo.
O moleque apanhou o objeto, o ligou e ficou olhando a lâmina luminosa fazendo "hoooom", maravilhado.
"Maneiro", disse. O Maurício falou "É uma arma mais elegante. Para tempos mais civilizados.".
A Marilene se perguntou de onde ele tirava essas coisas.
O guri devolveu o brinquedo do Maurício, que desligou e ligou um par de vezes. Ficou remexendo o negócio pra lá e pra cá, recebendo, vez que outra, o sorriso cúmplice de algum outro marmanjo que passava. Chegou a bater a espada na mesa e sorriu ao ouvi-la emitir um "Tczhack" alto, como o ruído de um cabo de aço eletrificado estalando.
Virou pra Marilene, sorrindo enquanto se preparava para guardar o aparelho de volta na caixa e disse a mesma coisa que dissera o gurizinho momentos antes.
"Maneiro.".
A Marilene entortou a boca de desgosto.
Falando sério. Já tinha visto o filme, pela segunda vez, diga-se de passagem, entendia a importância que aquilo tudo tinha pro Maurício, e, pelo que ela percebera, pra dezenas de outras pessoas, tinha até uns caras fantasiados na fila do cinema, pelo amor de deus...
Agora essa. O Maurício, dois dias depois da tal da pré-estréia que não podia esperar, fazia ela voltar ao cinema pra ver o mesmo filme de novo, e, tão empolgado, passava numa loja de brinquedos e gastava mil reais numa espadinha de plástico e alumínio que acendia luzinhas.
Que ninguém a entendesse errado.
A Marilene amava o Maurício. Não tivesse certeza de que era ele o homem de sua vida ela nem ligaria onde ele torrava seu suado dinheiro e se ele parecia ter idade mental de onze anos. Mas se ela planejava uma vida ao lado daquela criatura, talvez fosse melhor que ele não fosse tão constantemente subjugado por seus delírios juvenis.
Ela suportava o videogame, os quadrinhos e a literatura infanto-juvenil, suportava as idas apressadas ao cinema a cada novo longa de super-herói, mas brincar de espadinha de laser no shopping era um pouco demais.
Como a bateção com o sapato no calcanhar não surtisse efeito, a Marilene suspirou alto e falou:
-Maurício... Não tá um pouco demais esse amor todo por Star Wars?
O Maurício, sorridente a princípio, percebeu na cara da Marilene o desagrado, e quando falou, estava muito sério:
-Tem poucas coisas nessa vida que eu amo tanto quanto Star Wars.
E ligou o sabre que iluminou seu rosto, ainda sério, de azul.
Aí, apareceu mais um gurizinho que pediu pra pegar a espada, e o rosto do Maurício se abrandou e ele deixou o moleque brincar um pouco dizendo "Aventura? Excitação? Essas coisas buscar um Jedi não deve.".
E a Marilene achou melhor não falar nada. Se o Maurício, de fato, era o homem de sua vida, era melhor ela aprender a conviver com as eventuais excentricidades dele do que aprender que ela não era uma das poucas coisas nessa vida que ele amava tanto quanto Star Wars.
Fingiu um sorriso quando o gurizinho foi embora, mas por dentro amaldiçoou George Lucas.

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