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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Resenha DVD: Corra!


Eu sou um notório detrator de filmes de terror em geral. Os considero, em sua maioria, grandes porcarias, a ponto de, aqueles que não são ruins, já merecerem alguma forma de elogio apenas por se destacarem dos demais. Eu não estava nem um pouco interessado em assistir Corra!, cujo trailer vi em algum momento no início desse ano, ou no final do ano passado em uma ida ao cinema qualquer.
Me pareceu outro desses êxitos financeiros dos estúdios, onde todos os envolvidos fazem dinheiro já que os longas são baratos e rápidos de fazer, frequentemente levando a grandes ganhos percentuais para os produtores. Injetar cinco milhões de dólares em um filme, e faturar cento e setenta e cinco milhões, é um tremendo negócio.
Acabou que, no sábado, eu me vi voltando pra casa com o tempo fechando, e resolvi passar na locadora. O único filme que eu não havia assistido na prateleira de lançamentos era, justamente, Corra!, e eu pensei "Ah, que diabos".
O longa escrito e dirigido por Jordan Peele (parceiro de Keegan-Michael Key em Keanu: Cadê Meu Gato?!) começa com uma sequência tremendamente tensa para estabelecer o tom da história: Um homem negro (Lakeith Stanfield) anda por ruas de um subúrbio norte-americano qualquer tentando encontrar um endereço enquanto reclama ao telefone que todas aquelas ruas parecem iguais, quando, após desligar, percebe um automóvel branco o seguindo. Na rua deserta, o veículo pára junto à calçada, fazendo o jovem mudar de direção para evitar passar pelo carro enquanto resmunga para si mesmo que o fará porque sabe como negros são tratados em lugares como aquele. Subitamente a situação escala de maneira brutal, deixando claro que lugares aparentemente seguros, podem não sê-lo.
Corta para o jovem Chris (Daniel Kaluuya).
Ele está se preparando para fazer uma viagem com sua namorada, Rose (Allison Williams), após cinco meses de namoro, eles irão até o interior para conhecer os pais da jovem. Chris está preocupado em saber se, a família de Rose, que é branca, sabe que ele é negro.
Rose o tranquiliza, dizendo que não falou nada porque seus pais não são racistas, e ele não tem com o que se preocupar, reforçando que seu pai teria votado em Obama pela terceira vez, se pudesse.
Chris está genuinamente apaixonado por Rose, e é por isso que ele resolve ignorar seus instintos, e os avisos constantes de seu amigo Rod (LilRel Howery), e fazer a tal viagem. Talvez ele se case com Rose, e conhecer os pais da jovem será uma tarefa inevitável em algum ponto, então...
Ao chegar a bela e isolada propriedade dos Armitage, Chris conhece Dean e Missy Armitage (Bradley Whitford e Cathrine Keener), pais de Rose. Eles são gentis. Quase gentis demais. Inteiramente devotados a fazer com que Chris se sinta confortável e acolhido. A dedicação dos dois à tarefa é quase sufocante. Mais desconfortável, porém, é a presença da empregada Georgina (Betty Gabriel), e do caseiro Walter (Marcus Henderson), cujo comportamento rígido e tom excessivamente cordial fazem pensar nos robôs de Chapolin Colorado que pontuavam suas frases com um "Pi-Piiiiiiii".
Por estranha que a situação possa parecer, Chris tenta racionalizar a coisa toda dentro de parâmetros meramente raciais. Os pais de Rose estão se esforçando demais para tentar não parecerem desconfortáveis com a questão racial. Walter tem uma tesão recolhida por Rose, Georgina não se sente bem em ver um homem negro namorando uma branca... Mesmo o comportamento estapafúrdio de Jeremy (Caleb Landry Jones, o Banshee de X-Men: Primeira Classe, cuja falta eu senti em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e Apocalypse) são coisas que Chris vai tentando digerir em nome de seus sentimentos por Rose.
Mas então, na primeira noite, Chris pensa em sair e fumar um cigarro no jardim, mas coisas estranhas acontecem, e depois há uma festa, e ela é ainda mais estranha... E então...
Bem, Corra! é um suspense, então longe de mim entregar o ouro.
O que há de ser dito é que em seus dois primeiros atos, quando está edificando o suspense de sua trama, Jordan Peele o faz de maneira soberba.
Há pistas de que algo está errado o tempo todo, e elas são entregues de maneira que o racismo esteja sempre nas entrelinhas, seja o racismo mais rasteiro, do branco que não gosta de negros, ou os considera inferiores, até o racismo paternalista e condescendente do branco que acha que os negros precisam de ajuda, passando pelo racismo (nem sempre) paranoico dos negros com relação aos brancos, tratado de maneira satirizada pelo personagem de LilRel Howery e sua crença inabalável de que todos os brancos querem escravos sexuais negros.
O terço final de Corra! não é tão redondinho quanto os dois primeiros, ele carece do lastro que as ideias raciais oferecem aos setenta minutos iniciais do filme, que transpiram tais argumentos, ainda assim, é uma tremenda montanha russa, repleta de sequências de deixar na ponta da cadeira em seus minutos finais, misturando terror e ação de maneira bem dosada.
Jordan Peele também faz bom uso de seu elenco, Daniel Kaluuya tira o protagonismo de letra, enquanto Allison Williams é linda e adorável, Brad Whitford e Catherine Keener têm uma gentileza em seus anfitriões que jamais carece de um toque ameaçador, garantindo que o filme jamais se torne confortável de assistir quando eles estão em cena.
E ainda que haja momentos para deixar o longa um pouco mais leve (particularmente as participações de Rod), o longa cozinha a audiência em fogo brando por uma hora e quarenta minutos de tensão muito bem orquestrada, deixando claro que o background cômico de Peele não interfira com o que ele deseja que o filme seja, de fato (a despeito do que a frase no pé da capa do DVD possa sugerir).
Com tantos predicados, fica difícil não recomendar Corra!.
Qualquer pessoa que goste de um bom filme irá aproveitar ao assistir, e fãs de suspense, em especial, sem dúvida têm um prato cheio no longa.
Vale a locação.

"Agora você está no lugar profundo..."

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