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quarta-feira, 28 de julho de 2010

O que precisamos...


E o que é que nós sabemos, não é?
Nós, dessa raça lastimável, confortavelmente colocada sobre um pedaço de rocha prenhe de vida em meio á vastidão do espaço inóspito, e sem saber valorizar essa vida, sem sermos capazes de reconhecer que nosso planeta, por si só, é um milagre e que procurar sentidos e significados ocultos, místicos, divinos ou seja lá que porcaria for fora disso tudo o que já possuimos é, usando um jargão da moda, uma puta falta de sacanagem.
Enfim, aqui estamos nós, nunca satisfeitos com o que já temos, sempre procurando por mais um pouco de tudo em busca de satisfação para sentimentos e anseios doentios incutidos em nós pelo simples convívio com outros seres dessa racinha imperfeita e estragada da qual fazemos parte. Sábio e feliz, mesmo, só o Almeida.
O Almeida, nos seus trinta e oito, trinta e nove anos, parou em frente a uma mulher em plena Rua da Praia, ela não era uma mulher qualquer, era bonita, alta, magra, devia ter seus trinta e cinco anos, também. Loira, cabelos lisos e longos, óculos de grau baixo, vestia tailleur e salto alto e portava uma pasta, muito, mas muito, anos luz além da capacidade de areia do proverbial caminhãozinho do Almeida.
E o Almeida, em plena rua da Praia, enquanto a mulher encarava pensativa uma vitrine, parou ao lado dela, e ficou olhando ela de maneira extremamente rude.
Aqui cabe dizer que o Almeida era um sujeito grandalhão, mal-encarado, com cabelo de palha de aço e físico de estivador, não que fosse um troglodita, mas certamente não obedecia as regras da sociedade contemporânea nem tampouco estivesse enquadrado nos padrões de aparência dela, embora seu comportamento e aparência certamente se encaixariam nas regras de convívio e ideais físicos de sociedades primitivas como a dos, sei lá, digamos, cro-magnons.
O Almeida parou do lado dessa bela mulher, em frente á vitrine de uma loja de sapatos, e ficou a encarando até ela se sentir desconfortável o suficiente para perguntar-lhe se havia algum problema.
O Almeida balançou a cabeça em sinal de negativo, e, quando ela se preparava para girar sobre o salto de seus sapatos e sair de perto daquele exemplar mal-acabado de homem, ele finalmente verbalizou:
-Muito linda, tu, hein? Uma mulher desse porte, sozinha, com cara de bunda na vitrine olhando bota de salto alto... Só tem uma explicação. Tá sentindo falta de mim.
A moça não resisitu, indignada com a completa falta de traquejo do Almeida, e perguntou fechando os olhos como se, com eles abertos, não tivesse forças pra abosrver toda a rudeza do comentário:
-Como é que é?
-Tá sentindo falta de mim, um homem de verdade, que te faça sentir uma mulher de verdade.
-Cavalheiro- Ela começou a frase com "cavalheiro" embora jamais usasse essa palavra, mas enfim, ela imaginou que, dada a grosseria do brutamontes, ela deveria usar um pouco mais de pompa em suas interações, de modo a colocá-lo no devido lugar:
-Cavalheiro - Ela disse -Eu posso garantir que, dentre as muitas coisas das quais careço nesse momento, o senhor não está nem sequer próximo.
O Almeida não disse nada, só sorriu fazendo uma careta de Willem Dafoe, e enfiou o dedo no umbigo removendo uma migalha de alguma coisa e a descartando. Só então disse:
-Vai te fazer com essa mixaria?
Claro que ela deu-lhe as costas e saiu andando imediatamente sem sequer olhar pra trás, ela jamais, mesmo que Almeida não fosse do tamanho que era, e não tivesse a cara de bandido que tinha, se daria o trabalho de oferecer outra resposta a um sujeito como o Almeida, que se comportava como Almeida se comportava e usava as expressões que Almeida usava. Ela virou sobre os calcanhares e sumiu em meio a multidão que ocupava a rua dos Andradas naquela tarde de outono e nunca mais viu o Almeida de novo.
O Almeida fez um "tsc" estalando a língua no céu da boca, ergueu a camiseta e saiu coçando o umbigo com seu passo vagaroso até a repartição pública onde fingia que trabalhava, estava acostumado á foras e aquele era só mais um pra sua nada modesta coleção, amanhã ele certamente ouviria outro, e no final de semana, na gafieira, ouviria mais uma dúzia até encontrar uma mulher bêbada ou sem amor-próprio o bastante para aceitar aquele tipo de, como ele mesmo gostava de chamar, xala-lá.
A moça em questão, porém, a do tailleur, não esqueceu daquele encontro, naquele mesmo dia contou à suas colegas de trabalho do ocorrido entre goles de café e risadas escandalizadas. Ao chegar em casa, sua mãe telefonou, e ela contou a história novamente, o que fez sua mãe aconselhá-la a evitar andar no Centro sozinha, especialmente de pernas de fora, e que não desse abertura pra desclassificados e, no dia seguinte, quando saiu com Jairo, o corretor de imóveis com quem ela namorava, ela contou novamente tudo, dando especial ênfase ás partes desagradáveis.
Jairo, que era um sujeito extremamente educado, limpo e polido, nem sequer riu. Pareceu ultrajado com o comportamento do grosseirão, e disse que se estivesse com ela, teria dado-lhe uma lição.
Ela não disse nada, mas pensou que o gorilão bruto transformaria Jairo em patê de fígado com um dos brações amarrados às costas.
Naquela noite, após fazer amor com Jairo (Ele chamava de intercurso, e ela detestava.), quando ele se levantou correndo após o ato e se trancou no banheiro para tomar banho, ela ficou imaginando se, talvez, assim, de repente, quem sabe, ela não estivesse precisando, ainda que só um pouquinho, em doses homeopáticas, de um Almeida na vida dela.

Um comentário:

  1. E não é que o xala-lá do brucutu deu certo ?
    Doses homeopáticas que nada, certeza que ela queria doses cavalares do Almeida rs
    :)

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