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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Fanatismo


-Sabe, doutor, eu nunca gostei de futebol...
-Sei.
-Me lembro de, quando guri, ficar puto da vida... Desculpa, posso dizer "puto"?
-Se era como tu te sentias, então pode. Seja honesto.
-Beleza. Me lembro de ficar puto da vida com o meu pai vendo campeonato italiano no domingo de tarde... Odiava. Queria ver Os Trapalhões, o MacGuyver, a Super-Máquina, lembra da Super-Máquina? E ele lá, vendo jogo. Só uma TV em casa. Acabava com o meu domingo.
-Entendo.
-Depois, na escola, a mesma coisa. O pessoal ia jogar bola e eu me tornava um outcast-
-Um o quê?
-Um outcast... Um exilado, um pária, um excluído.
-Ah.
-Entendeu?
-Sim, sim, pode continuar.
-Pois é, eu ficava de fora. Não gostava de futebol. Nem Copa do Mundo. A Copa do Mundo pra mim, só valia alguma coisa por que a gente era liberado mais cedo da escola. De resto, achava um saco, futebol, futebol, futebol...
-Compreendo.
-Eu nem tinha time. Quando me perguntavam pra que time eu torcia, pra não me sentir deslocado, eu mentia. Dizia que torcia pro time da pessoa que perguntou.
-Acontece, é a necessidade de encontrar identificação. Tu era uma pessoa um pouco carente na tua formação, provavelmente por causa desse distanciamento do teu pai.
-Nunca tinha visto isso por essa ótica...
-É preliminar, mas me deu essa impressão, conforme nos falarmos mais, vamos ter uma ideia mais concreta. Pode prosseguir.
-Onde eu tava?
-Tu não tinhas time na infância.
-Isso, eu nem tinha time, e dizia que torcia pro time de quem me perguntasse, qualquer time que fosse. Eu detestava futebol, mas ele era um lubrificante social importante pra moleques tímidos como eu. Enfim, eu não gostava de assistir, nem de jogar, nem de ouvir falar...
-Compreendo.
Mas aí, doutor... Aí veio aquele dia, era quarta-feira, um feriado de vinte de setembro, em 1995. Eu tava com quatorze anos, e me convidaram, pela primeira vez, pra ir ao estádio...
-Sei.
-Tinha um zagueiro paraguaio que ia fazer sua estréia pelo Inter, um tal de Gamarra, e meu pai ia ao jogo, e um amigo meu perguntou se a gente podia ir com ele, eu perguntei e nós fomos...
-Continue.
-Eu nem tava com vontade de ir pelo futebol, mais pela farra, mesmo, de ir ao estádio com meu amigo e talicoisa, além disso, o Inter tava numa fase muito ruim, os anos noventa foram muito ruins pro Inter, e noventa e quatro, noventa e cinco e noventa e seis, foram os piores anos. Ainda assim, quando eu cheguei lá... A torcida cantando, a Camisa 12 com os metais, fazendo uma fanfarra, a vibração com o primeiro cartão amarelo do Gamarra, e a catarse coletiva com o gol do Inter, do Élson... Fui fisgado, doutor. Passei a gostar de futebol, torcer pro Inter, secar o grêmio, que passou a ser chamado de apelidos nada elogiosos, até a jogar futebol eu comecei, doutor, não que eu seja algum Pelé, nada disso, na melhor das hipóteses um Enciso, mas ainda assim, doutor, daquele dia em diante, eu comecei a gostar de futebol, muito. Assisto Campeonato Inglês, adoro Copa do Mundo, não nego convite pra uma pelada, entro em discussões apaixonadas sobre futebol e não perco jogo do Inter, doutor, fico lá, sofrendo, roendo as unhas, coração acelerado, perco o sono na véspera dos jogos, como ontem, antes daquele jogo com o São Paulo, eu dormi duas horas naquela noite, e ontem, depois do jogo, só peguei no sono quase as quatro da manhã, isso sem contar a tensão durante os noventa minutos, a respiração arfante, as mãos crispadas enquanto o Andrézinho, o D'alessandro e o Taison avançavam contra a defesa dos paulistas, o pânico quando o São Paulo retomava a bola e vinha contra a defesa do Colorado, e depois, a sensação de exaustão no fim da partida, como se eu tivesse corrido com os jogadores o jogo inteiro, e a voz rouca hoje de manhã de tanto gritar na hora do gol... É isso.
-Muito bem. Olha, vou ser franco contigo, se eu te disser alguma coisa hoje, vai ser tudo prematuro, mas, conforme tu continuares vindo aqui, nós vamos conversar mais e com algum tempo, muito trabalho, muita conversa, muita dedicação, nós vamos conseguir te livrar disso, vamos te curar desse fanatismo.
-Quê?
-Vamos te curar disso. Acabar com essa fixação por futebol.
-Mas quem é que quer ser curado, doutor? Eu não podia estar mais feliz! Nós ganhamos do São Paulo sem levar gol! Celso Roth colocou meu time nos trilhos! Dá-lhe Colorado, rumo ao bi da América!!!!

2 comentários:

  1. O meu pai gosta muito do Inter, no ano passado a escola de samba a qual ele participa fez uma homenagem muito bonita á esse time, e o samba enredo foi contando a história, as vitórias e os gols mais marcantes da equipe. Foi legal, eu não gosto de carnaval mas admito que ficou bonito, e não digo isso por ter sido meu pai o criador na música e tal....mas enfim, é um bom time, parabéns :)

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  2. Esse psicólogo devia ser gremista!!
    Quem precisa de cura é ele!!!

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