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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Em silêncio


Amaury e Laura estavam deitados, nus sob as cobertas no quarto da casa dele. Ela aninhada em seus braços, aconchegada nele, olhos fechados, respirando devagar. Ele com uma das mãos na barriga dela, a outra sobre o ombro, o queixo sobre o topo de sua cabeça, sentindo o cheiro do seu cabelo. Ele respirou fundo. Haviam feito amor. Ela não admitia dizer que havia feito qualquer outra coisa. Ou fazia amor ou não fazia nada. Ele não se importava de fazer sexo, achava "fazer amor" meio brega. Bem brega, pra ser mais honesto, mas, se era o que ela queria fazer, então, que diabos, ele chamava como ela quisesse. No final das contas, ele a amava, de fato, então, por cafona que fosse, "fazer amor" não era mentira.
Ele a segurou com mais força. Não era pessoa de fazer demonstrações verbais de afeto. Muito pelo contrário. O Amaury não falava. Não que fosse mudo. Ele não falava sobre si. Não falava de seus sentimentos. Não falava de suas aspirações, incomodações, medos e inseguranças. Amaury não gostava de falar. Não era do seu feitio "abrir o coração", outra expressão que, por sinal, ele achava brega pra danar.
Provavelmente o que uniu Amaury e Laura, fora justamente o fato de ambos falarem pouco. Laura também era extremamente fechada. Falava quase nada de si. De seu passado. Das coisas que a incomodavam, agradavam, ou o que fosse. Em um primeiro momento, Amaury achou que Laura fizesse pose de mulher misteriosa. Que usasse o silêncio como uma artificial ferramenta de conquista... Mas aprendeu que não. Levou tempo para aprender, até por que, unir duas pessoas tão fechadas, não é tarefa fácil. Não foi mais, senão acaso, que fez os dois ficarem juntos. Já se conheciam, tinham amigos em comum. Mas jamais conversaram, de fato. Até aquela vez do cinema. Eram dois dos poucos espectadores comprando ingressos pra última sessão de A Família Savage. Quando se viram, ela o olhou com surpresa, ele sorriu. Ela acabou devolvendo o sorriso. Sentaram juntos. Depois do filme conversaram. Voltaram a ir ao cinema juntos depois. Levou tempo até se tocarem. Mais tempo ainda até se beijarem. Mas, depois do beijo, o resto veio ao natural.
Não moravam juntos. Não se viam todos os dias. Se alguém perguntasse a Amaury se ele estava namorando, ele responderia "mais ou menos", se alguém perguntasse à Laura se ela estava namorando ela diria "não.", assim mesmo, com ponto final.
Não é que Laura não gostasse de Amaury. Não é que Laura não quisesse que os outros soubesse que ela namorava. Era... Era complicado pra Laura. Já o Amaury respondia 'mais ou menos" por que ele não sabia, de verdade, que raio de relação era aquela que a Laura e ele partilhavam. Se viam três, quatro vezes por semana, iam ao cinema, jantavam, dormiam na casa um do outro, conversavam um pouco, "faziam amor"... Faziam sexo, ele nem sabia direito... Enfim, não parecia um namoro. Amaury sabia pois já havia namorado antes. Com a Laura não exista cobrança. Com a Laura não existia obrigação. Com a Laura não existia "tu me ouviu?", "tu vem conhecer meus pais?", nem "tu não presta atenção em mim.". Em um primeiro momento, foi isso que fez Amaury gostar de Laura. Isso e o fato de ela ser muito bonita. Mas, ao mesmo tempo, o que antes era a razão de todo o apreço do Amaury pela Laura, agora se tornava uma ferramenta de insegurança. Essa distância que a Laura mantinha de Amaury.
No princípio ele gostava, achava genial ambos terem um perímetro de conforto amplo. Achava genial eles se encontrarem no limite desse perímetro, conversando, saindo, estando juntos, sem jamais, de fato, saírem dele. Mas agora, agora quando ele se via sentindo saudades dela durante o dia, quande ele se flagrava olhando aquele ingresso de A Família Savage na carteira e esboçando um sorriso, quando ele começava a ver sentido em dizer coisas como "fazer amor"... Bom, nesse momento a distância que eles se empunham mutuamente começava a se tornar incômoda. Os dias de sumiço dela começavam a se tornar mais longos. E a vontade que ele sentia de, quem sabe, dizer como se sentia, começava a se tornar mais forte.
O que, de pior, podia acontecer afinal de contas? Como a Laura reagiria se o Amaury a sacolejasse, naquele instante, e dissesse à ela, com todas as letras, que a amava?
-Olha, Laura, é o seguinte. Eu sei que não é o que a gente combinou, até por que a gente nunca combinou nada, mas eu te amo. É isso, eu te amo.
Pensou nessa possibilidade por um instante. Quase pôde ver ela o encarar sem muita expressão, respirar fundo e dizer algo como "Ih, Amaury... Olha, tu entendeu tudo errado...". Pôde vê-la se levantar da cama cobrindo-se com o lençol, catando as roupas no chão, saindo vestida do banheiro minutos depois e dizendo que se viam por aí.
Amaury não podia evitar. Era um pessimista, claro, mas, ao mesmo tempo, baseado no comportamento que tiveram um para com o outro nos últimos meses, aquele era o tipo de curso de ação que mais fazia sentido pra Laura. Ele não conseguia imaginá-la se virando pra ele, o abraçando e dizendo que o amava, também. Simplesmente não era coerente com tudo o que ele sabia da Laura. Resolveu, então, ficar em silêncio. Não dizer como se sentia. Manter as coisas como estavam. Era melhor manter o que era certo, aquele arremedo de intimidade sem intimidade, do que perder o que ela oferecia. Não só o sexo. O sexo era ótimo, claro. Mas tudo. As idas ao cinema, as conversas, tudo. Se o preço era viver com mais aquela insegurança, que fosse. Paciência, ele faria o que tivesse que fazer, até mesmo alimentar seu amor em silêncio absoluto.
Sentiu o braço dormente sob a cintura nua de Laura, se mexeu com cuidado, puxando o braço de sob ela, tentando não acordá-la. Ela sentiu o movimento e, ainda de olhos fechados, perguntou em um sussurro:
-Adormeceu o braço?
-Também te amo.
-Quê?
-Nada.
Ela voltou a dormir quando ele a beijou no ombro e acariciou-lhe os cabelos.
"OK", ele pensou. "Silêncio quase absoluto."

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