Pesquisar este blog

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sensível


Estavam o Maiquél e o Jeison na locadora. Dois fedelhos na parte mais triste da adolescência, aqueles anos que que não há certo ou errado, preto ou branco, mas apenas tonz de cinza, e, nesses tons de cinza se realizam projetos e prodígios que, ás vezes, em se contando, ninguém acredita.
O Jeison, um poço de hormônios em ebulição andava entre as estantes de filmes tendo um nervoso Maiquél ao seu lado. Jeison parou em frente à estante onde lia-se "romance", e passou a mirar as lombadas dos DVDs com interesse sacando um ou outro título escolhido e olhando a capa de forma atenta.
A tensão finalmente foi demasiada para Maiquél enfrentar em silêncio e ele acabou desembuchando:
-Essas gurias que tu vai levar na tua baia, hoje...
-Hã?
-Como elas são?
-São gurias, Maiquél. Tu já viu, um pouco menores que um guri, têm cheiro melhor, cabelo comprido, tetinhas, bundinhas, e outras coisas que nos interessam... - Respondeu, com pouco caso, um chovinista Jeison.
-E essas gurias vão ver filme com a gente? - Inquiriu Maiquél, ainda nervoso.
-Um pouco, pelo menos. Na verdade, eu espero que lá pela metade elas já estejam ocupadas fazendo outras coisas, eh, eh, eh, eh. - Riu o Jeison, maquiavélico.
-Hã...
-Que foi, mano?
-É que... Tipo... Que filme tu vai levar pra elas verem? - Quis saber Maiquél, torcendo os dedos das mãos.
-Tava pensando em romance, tá ligado? Pra amolecer elas pra gente atacar! - Respondeu Jeison, com um DVD na mão. - Olha esse. Antes do Amanhecer. - Mostrou a capa ao Maiquél.
-Ih, velho... Leva esse, não... - Suplicou Maiquél.
-Por que? - Quis saber Jeison, examinando a capa do filme. - É muito ruim? Tu já viu?
-Não é ruim, não... É que... Leva esse, não. Leva outro...
-Esse aqui, então...? Antes do Pôr-do-Sol? Acho que são as mesmas pintas na capa. O cara que fez Dia de Treinamento, e pá... - Sugeriu Jeison, tirando outro filme da prateleira.
-Não... Esse aí, também, não... - Vetou Maiquél, olhando pro outro lado.
-Tá... Então esse... Simplesmente Amor. É de comédia, até.
-Não... Não... Leva outro. Tipo, um de terror, aí elas se assustam e abraçam a gente, e talicoisa! - Sugeriu Maiquél, iluminando-se.
-Aê! Boa! Vamo pegá um de terror bem casca-grossa! - Assentiu Jeison, animado. Mas deteve-se.
-Peraí, peraí...
-Que foi? - Perguntou Maiquél, já a meio caminho dos filmes de horror.
-Que papo é esse, de elas abraçarem a gente, velho? Tu é todo encabulado, e agora vem com esse papo pra cima de mim? Aí tem coisa... - Declarou Jeison, desconfiado.
-Tem nada, mano. Eu quero abraçar as gurias, e tal... - Desconversou Maiquél.
-Qué, nada, velho. Desembucha a real, aí.
-Tem nada, meu. Tô dizendo.
-Fala, mano.
-... Tá, mas, tipo... Tu não pode falar pra ninguém. - Respondeu Maiquél, cochichando.
-Tá, diz, aí. - Concordou Jeison, com pouco caso.
-Não, mano, tu tem que prometer que não vai contar pra ninguém, nem pro Pestana. - Exigiu Maiquél.
-Ih, véio, até parece que eu conto tudo pro Pestana... - Disse Jeison, ofendido.
-Tu conta, mano, tu conta e depois o Pestana conta pro resto da galera, o Pestana parece uma lavadeira, só tu que é trouxa e não vê. - Exasperou-se Maiquél.
-Que foi que o Pestana andou contando pra galera? - Quis saber Jeison, agora ele, nervoso.
-Da Cledinéia. - Disse Maiquél.
-Masquefilhadaputa! - Exclamou Jeison, atraindo um olhar feio do balconista da locadora.
Com a boca coberta repetiu o impropério em um cochicho:
-Aquele filha da puta, mano! Eu pedi pra ele não dizer nada!
-É, mas ele contou. Contou da Cledinéia atrás do muro da casa da dona Rose, contou que tu roubou um pacote de Bono no super no começo do semestre e que tu sonhou com o Anderson Silva andando pelado no vestiário do clube. - Declarou Maiquél.
-Mas que! Cara, quem sonhou com esse negão pelado foi ele, mano! Ele que vive assistindo MMA e malhando feito alucinado na academia! E eu não roubei a bolacha, enfiei no bolso e esqueci de pagar, véio! Aquele Pestana filho de um cão! Eu quebro ele! - Exclamou Jeison com as mãos na cabeça.
-Tá, tá... - Interrompeu Maiquél. - Seguinte, eu acredito em ti, mano. Mas ó, tu quer saber o porque de eu não querer esses romances aí, tu não pode contar pra ninguém. Especialmente pro Pestana.
-Eu não falo nada, véio. Especialmente praquele filho de uma égua do Pestana. Otário... Por que não dá pra ser romance... Aquele corno...
-Mano. Eu... Ó, não fala pra ninguém, mesmo, hein? - Reforçou Maiquél.
-Não falo, mano, juro no pé da santinha. - Disse Jeison, erguendo a mão, solene.
-Mano... É que esse filmes de romance, e pá... Eles, tipo... Bah... Eles me fazem chorar tá ligado? - Disse Maiquél, engolindo em seco.
Jeison ficou sério alguns segundos, mas suas bochechas foram se enchendo de ar conforme ele apertava os lábios e seus olhos se reviravam, até que ele não resistiu e explodiu em uma estridente gargalhada.
-Porra, mano! Tu, tipo, chora vendo filme de guria, véio? - Perguntou Jeison, secando uma lágrima.
-Porra, meu! Fala baixo, véio, tá todo mundo olhando. - Ralhou Maiquél, entre dentes.
-Tá, tá... Peraí... Desculpa... - Disse Jeison, recuperando o fôlego. -Tá... Então, tu chora vendo esse filmes. Tipo... Todos?
-Ah, não todos... Só... Só, tipo... - Hesitou Maiquél.
-Tipo quais? - Encorajou o amigo.
-Ah... Tipo, os bons, tá ligado?
Nova risada de Jeison, seguida de novo protesto de Maiquél.
-Porra, véio...
-Tá... Parei, parei...
Jeison suspirou.
-Mas mano, filme de terror é tipo, faca de dois gumes, tá ligado? Se não for terror de susto, tipo, elas podem nem curtir, podem ficar só de estômago revirado, e aí ferrou a barca, mano.
Maiquél estacou pensativo ante a inegável lógica da ponderação de seu companheiro. Encarou o chão por breves segundos, indeciso. Jeison reforçou seu ponto:
-Tipo, será que não tem como tu engolir o choro, mano? Um filme só? E tipo, com a Mariana, véio, do teu lado, toda romântica e tal, querendo beijinho. Se pá tu estréia tua mão num peito, hoje.
Maiquél ergueu uma sombrancelha, parecia inclinado a tentar, mas ainda não estava certo. Jeison apanhou um filme ao acaso, e mostrou para Maiquél.
-Ó, esse aqui é musical. Mamma Mia! Que tu acha? Tentamos?
Maiquél olhou por um instante pra capa do filme, respirou fundo. Pensou na Mariana. Nem a conhecia, mas o cenário proposto por Jeison era, de fato, inspirador. Concordou.
-Tá bem. A gente tenta. -Assentiu ante uma pequena dancinha de satisfação de Jeison.
Mas complementou enquanto passavam no caixa:
-Mas tipo, quando a Meryl Streep cantar The Winner Takes it All eu vou ter que sair da sala, mano...

Nenhum comentário:

Postar um comentário