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terça-feira, 26 de julho de 2011

Tempo Pretérito


-Eu sou um lobo solitário. - Disse, Heitor, de peito cheio, no alto de seus oito anos de idade com um álbum de figurinhas do RoboCop sob o braço. Não era a primeira vez que Heitor se via excluído de uma atividade. Na verdade, a exclusão era matéria frequente para ele. Heitor jamais fora a mais social das pessoas. Jamais fora de demonstrações gratuitas de afeição. Seus pais nunca se preocuparam com o fato de Heitor ser um moleque um pouco mais ensimesmado. A verdade é que, para eles, a introspecção do rebento era um sinal de bom comportamento, e, por consquência, de um trabalho bem realizado pelos genitores. E, quiçá em parte, fosse, de fato. Entretanto, não era apenas isso.
Heitor não era afeito às regras do mundo.
As conhecia à todas. As respeitava. Mas não gostava delas. Então, encolhia-se do mundo, vivendo à seu modo sempre que essa opção lhe era oferecida. Não era um isolacionista convicto, o Heitor. Mas era, sim, um menino solitário. Em parte por opção, em parte por imposição. Não se queixava, porém. Sabia aproveitar o seu tempo, sendo um soldado, um caubói, um guerreiro medieval enfrentando monstros imaginários, fazendo parte de projetos científicos que o transformavam em um ciborgue, em um super-ser, ou fugia pra uma galáxia bem, bem distante, onde se unia à Ordem Jedi e enfrentava o malvado império galáctico.
De toda sorte, Heitor aproveitava sua infância quando estava sozinho. E na escola, onde poderia fazer amigos, fazia-os poucos. Não era de ter um milhão de amigos. Um ou dois a cada ano. E, aficcionado que era por ficção, quadrinhos e aventuras fantásticas, não raro era excluído dos grupos de trabalhos. Das brincadeiras organizadas no recreio, e dos esportes da Educação Física. Não se importava, contudo. Era nesses momentos em que Heitor dizia a frase lá do início:
-Eu sou um lobo solitário.
E tocava em frente. Servia-lhe. Na infância, por estranho que pareça, foi fácil para Heitor ser solitário a maior parte do tempo. Havia, claro, interlúdios de companhia. Amizades fugazes. Todavia, nada que mudasse quem Heitor era. E Heitor passou incólume pela infãncia. Sem traumas, sem dores, ou amarguras. Aproveitou o tempo que partilhou com seus amigos de ocasião, ofereceu o que tinha de si em abundância, e recolheu o que lhe era oferecido. Aprendeu ali sua lição. Aprendeu a viver e saber viver sozinho, mesmo em meio à multidão. Aprendeu a partilhar quando acompanhado, mas a não precisar de companhia ou de partilha pra viver.
Na adolescência, houve muito mais companhia na vida de Heitor. Ele chegou a se distanciar da pessoa que fora anos antes. Chegou a pensar que sabia ser diferente. Que sabia viver acompanhado. E soube, apenas não gostou tanto assim. E lembrou-se: Era um lobo solitário.
E logo, voltaria a recolher-se sob o manto da solitude onde preferia trafegar.
Já adulto, aprendeu a equilibrar a solidão que o agradava com o acalanto da companhia tantas vezes saudável, necessária. Sem esquecer quem era. O que era. Sempre lhe serviu a consciência de que, alguns de nós, são, sim, vá lá, senão lobos, solitários de coração.
Quando era abandonado, vilipendiado, esquecido, jamais permitia que aquilo o ferisse. Pois sabia ser só. Sabia não precisar de ninguém.
Sabia...
Hoje, já não tem certeza se sabe mais. E lhe dói não saber.

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