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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Rapidinhas do Capita


-Tu vai seguir acordando pela manhã, fazendo o que precisa fazer, sendo quem precisa ser, da melhor forma possível. Tu vai abrir os olhos, sair da cama, e vai seguir fazendo tudo o que sempre fez. E vai doer. Ainda vai doer por muito tempo. E, em algum momento, tu vai pensar, "puxa, não dói, hoje!", e então, vai começar a doer outra vez, e aí, tu vai ter dado o primeiro de muitos passos com relação à essa dor, e ela nunca irá embora. Não totalmente. Ela sempre vai estar lá, e sempre vai doer. Quando tu não sentir mais nada, vai querer dizer apenas que está meio dormente, e então, quando a dormência passar, quando tu pensar a respeito, a dor vai voltar. Ela nunca vai diminuir de intensidade, tu apenas vai se acostumar com ela, e aprender a conviver com ela, até ela não incomodar tanto, como aqueles velhinhos com reumatismo que fazem previsão do tempo de acordo com a dor no quadril, sabe?
-Valeu. Puta força tu tá me dando, velho.
-Sabe de onde saiu esse discurso?
-Não.
-Faz um esforço.
-... Não sei...
-Mesmo?
-...
-Tá lembrando?
-...Cacete...
-Pois é. Tu me disse isso, quase nessas exatas palavras dois anos atrás. Lembra?
-... Lembro.
-É.
-...
-...
-E?
-E o quê?
-Me diz que eu tava errado. Diz pra mim que passa. Diz que, depois de duas semanas eu nem vou me lembrar mais.
-Tu tava errado. Passa. Daqui duas semanas tu nem vai te lembrar mais.
-Valeu.
-De nada.
-...
-...
-É mentira, né?
-É.
-Cacete...
-Pois é.

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-Não existe solidão mais vil do que a do sexo feito sem amor, Fabí. - Disse o Antenor olhando pra Fabíola sobre um copo de coca-cola pela metade.
-Consigo pensar em duas ou três solidões muito mais vis do que essa, Antenor... - Respondeu a Fabíola com pouco caso.
-Não. Não consegue. Tu só quer me dar o contra como tu faz desde que a gente se conheceu. - Replicou o Antenor tomando de um gole o refrigerante no copo e servindo o que ainda havia na garrafa.
-De onde tu tirou essa frasesinha cafona, diga-se de passagem? Coisa mais brega e puritana... - Perguntou a Fabíola como quem se dá conta de que está sentado em uma tábua com pregos virados pra cima.
-Ela é de um puritano dos mais tradicionais, mesmo. - Respondeu o Antenor rindo com um lado apenas do rosto.
-De quem é a citação? - Quis saber a Fabíola.
-Nelson Rodrigues. - Respondeu Antenor, com pouco caso.
-Mentira. - Disse Fabíola, virando pro outro lado.
-Verdade. - Respondeu Antenor, rindo.
-Mentira, tua. Mentiroso. - Disse Fabíola, ficando ruborizada de raiva.
-Procura no Google. - Desafiou Antenor.
-Procuro, mesmo. Procuro. Tu quer é me enrolar, dar lastro pra essa besteirinha pueril. - Disse Fabíola entre dentes cerrados.
-O que importa de quem é a citação? O autor te faz sentir mais ou menos culpada por ter sido responsável pela mais vil das solidões em ene oportunidades? - Perguntou Antenor, jocoso.
-"Ene" o teu cú. - Respondeu Fabíola, falando alto e se levantando da mesa do bar atraindo a atenção de todos ao redor enquanto ia embora.
Antenor não se levantou. Continuou sentado sorvendo a sua Coca-Cola enquanto Fabíola saia pela do estabelecimento a passos largos. Seu sorriso, no entanto, desapareceu. Ele nem lembrava se a frase era de Nelson Rodrigues, mesmo, apenas quis cutucar Fabíola. Sentiu uma ponta de vergonha. Era, depois de velho, o moleque que durante o recreio puxa as tranças da coleguinha por quem é apaixonado.

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TRADUÇÕES:

Ele disse:
-Não, capaz, tô tri bem, vamo jogar, sim, amanhã tô aí com a minha chuteirinha e o meu futebol de Nílton Santos.
Mas na verdade ele quis dizer:
-Claro que eu não tô bem, eu tô demolido, mas vou fazer um esforço aparecer e jogar pra ninguém me tirar pra veado.

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