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sábado, 15 de setembro de 2012

O Vilão.

E de repente, o Heraldo, sentado sozinho no muro de tijolos à vista da casa da praia, sentindo o vento que vinha da praia menos de cem metros atrás de si, teve uma sensação muito dolorida.
O Heraldo sempre se imaginou como o coadjuvante do filme.
Sério. Se a vida fosse um filme, o Heraldo jamais se via como o personagem central. Se a vida fosse ...De Volta Para o Futuro, o Heraldo se imaginaria como o doutor Brown, e não como Marty McFly. Se a vida fosse Star Wars, ele não seria o Luke, ou o Vader, ou Han Solo, ele seria Obi Wan Kenobi. Se a vida fosse O Senhor dos Anéis, ele não seria o Froddo ou o Aragorn, mas o Gandalf, e se a vida fosse o universo Marvel, ele seria o Uatu.
Era uma visão de mundo inerente ao Oswaldo, quando ele percebeu que os papéis da vida se limitam ao de vítima ou de testemunha. E ele achava muito mais interessante ser testemunha. Por isso ele não se queixava das coisas. Por isso via a vida por um prisma muito específico de pessimismo e distanciamento que lhe permitiam não se envolver a ponto de ser a vítima da própria história.
Mas o Heraldo era humano, ainda que resoluto, e humano que era, era falho, e, vez que outra, acabava seduzido por aquilo que desejava, e falhava na sua decisão.
Normalmente, tais lapsos de esperança e de ingenuidade auto infligida eram inofensivos, relativamente breves e permitiam que ele recobrasse a consciência sem se ferir ou ferir outrem.
Mas o Heraldo, subitamente se viu onde sempre desejara estar.
Se viu feliz a ponto de imaginar que podia haver um terceiro papel a desempenhar na vida que não o de testemunha ou o de mártir. E ousou se deixar levar. Ousou ser feliz. Ousou se entregar, abrir, pelo menos um pouco, os portões, as portas e as janelas.
E assim, com tudo arejado, e com espaço pra ela começar a entrar, ele se viu, de fato, feliz. Completo. Alegre como nem sabia que conseguia estar. Sem preocupações. Sem problemas. Sem medo.
Mas havia, ainda, uma reserva de Heraldo em Heraldo. E a vida não deixa passar nenhuma oportunidade de chutar um incauto nas costas.
Na primeira, ao vê-la de olhos marejados, Heraldo supôs que não fora nada.
Que fora um lapso. Que não era nada pra se preocupar.
Na segunda, porém, ao vê-la de coração tão cheio. Ao vê-la conjecturando, e percebendo o que estava perdendo por estar junto com ele...
A primeira reação de Heraldo foi ficar com raiva. Ele ficou enraivecido. Muito. Frustrado. Magoado. Sentindo-se traído.
Mas foi breve.
Ele percebeu, então, que a culpa não era dela. Ele percebeu que ela estava fazendo o que era natural de fazer. Conjecturando. Sonhando. Imaginando "e se...?".
E que a culpa era dele. Era dele apenas, pois por mais que tentasse. Por mais que quisesse, esse ainda precisava de um perímetro.
Uma zona de conforto.
Uma área de segurança.
Um espaço pra onde fugir, e do qual não sabia abrir mão.
A culpa era dele, e dele apenas.
Heraldo descobriu, desolado enquanto a brisa açoitava suas costas, que ele não era mártir na sua história, tampouco testemunha.
Ele era seu próprio arqui-inimigo.
O vilão da própria história.
E só tinha uma maneira de derrotá-lo:
Impedindo-o de ferir as pessoas a quem ele amava.

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