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quarta-feira, 7 de maio de 2014

No Semáforo


Ele parou do lado dela no meio-fio da calçada, pediu licença e apertou o botão do sinal de pedestres e ficou esperando que o semáforo mudasse de fase e garantisse a segurança no atravessar a rua.
Ela notou de imediato que ele a observava quando ele farejou o ar duas vezes, e então virou-se para ela.
Mesmo gripado como estava, ele sentiu o perfume dela. Um cheiro doce muito gostoso.
Ela estava acostumada à tal atenção.
Bonita, loira, destacava-se mesmo baixinha. E sabia tirar proveito de seus atributos aos quais sabia realçar na hora de se vestir. O traje daquele dia era testemunho dessa habilidade:
Calças pretas bem justas, dando ênfase às pernas bem torneadas e à bunda, bonita e redonda. Blusa azul-marinho larga o suficiente para esconder o eventual pneuzinho da lasanha comida cheia de culpa na noite anterior, mas não larga o suficiente para esconder os seios empinados, nem grandes nem pequenos.
Ele estava à direita dela, ambos olhando para a esquerda. Ela, esperando que o tráfego desse trégua e o sinal fechasse para os veículos, ele, aproveitando-se da estatura consideravelmente maior para observar-lhe o decote de ângulo privilegiado.
Ela notou, olhando de esguelha, e suspirou.
Como eram vis os homens.
Ele não era um sujeito feio. Altão, magricela, meio desengonçado. Mas não feio. Estava vestido de maneira sóbria e despojada, tinha cara de inteligente, parecia ser boa pessoa,capaz de manter um lar estruturado. Não fosse idiota e infantil como são todos os homens, e seria alguém que, mesmo sem ser nenhum Jason Momoa, ela poderia levar em consideração.
Mas como levar em consideração um infantiloide que ficava tentando olhar os peitos de uma mulher por cima enquanto esperava o sinal fechar?
Como dar abertura a uma criatura tão insegura?
Se aquele sujeito insuspeito fosse capaz de vociferar alguma coisa remotamente excitante ou estimulante, nem que fosse unicamente pela novidade de ver um homem com alguma atitude, ela na certa iria pra cama com ele.
Um relâmpago cortou o céu, o ribombar do trovão que se seguiu, a tirou de seu devaneio.
Quase ao mesmo tempo o sujeito ao lado dela disse:
-Tu vai ficar toda molhada.
Ela estacou olhando pra frente uma fração de segundo. Tanto pela ousadia da frase quanto pela telepatia implícita na declaração do vivente.
Será que, imersa em pensamentos, pensara alto encorajando o sujeito a ser tão saidinho?
O que faria? Explicaria que fora mal interpretada, que não tencionava fazer sexo casual com um completo estranho e que lamentava o mal-entendido?
Lamentava o caramba. Aquele sem-vergonha que abria uma conversa avisando que a mulher ficaria molhada merecia era uma descompustura, não um pedido de desculpa.
Virou-se pra ele, que sorria, casual. Até que tinha um sorriso bonito...
-O que foi que tu disse?
-Tu vai ficar toda molhada. - Ele repetiu. E reforçou: -E eu, também.
Ao mesmo tempo em que aquilo era um disparate, um absurdo e uma completa falta de respeito, ela não pôde deixar de ficar admirada com tamanha confiança. Ah, mas que vontade de fazer um teste só pra ver se ele era capaz de sustentar tal falácia entre quatro paredes.
Mas não, peraí... Ela tinha que se apegar à parte da falta de respeito, e talicoisa...
-Com que é que o senhor pensa que tá falando?
O sorriso dele se desmanchou... Ele enrubesceu, e gaguejou apontando pro céu plúmbeo :
-Hã... A... Nós... Nós dois... estamos sem guarda-chuva... E vem um caldo, aí...
Disse, e, ao constatar o sinal aberto à travessia de pedestres, pôs-se em movimento em marcha acelerada com suas pernas compridas.
Ela ficou parada, deixou o sinal abrir e fechar de novo, com uma expressão confusa estampada no rosto bonito, sentiu-se mal por ter interpretado mal ao pobre rapaz.
Paciência, pensou.
Mais tarde, naquele mesmo dia, riria tomando um iogurte natural com mel e assistindo Fox Life na TV a cabo. Todo o caso se tornaria uma anedota que dividiria com as colegas de trabalho.
"Mas tu te lembra daquela vez do 'Tu vai ficar toda molhada'? Pois ora veja..."
Mas ainda assim, que ficou pensando nas vantagens de verificar se uma declaração daquelas tinha ou não tinha lastro para sustentá-la na alcova... Ah, ficou...

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