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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Rapidinhas do Capita


A Bruna achava que o Vinícius levantava o mindinho quando pegava o copo ou os talheres pra parecer mais refinado.
Dava até dó nela, que sempre se segurava pra não dizer pra ele que levantar o mindinho, ao contrário do que Penn e Teller haviam mostrado em seu antigo programa Bullshi*, não era sinal de refino, mas sim o oposto.
A Bruna entendia que o Vinícius, um rapaz de origem humilde, trabalhador, que estudava e era bom e honesto, jamais tivera tempo pra se aprofundar em pormenores da etiqueta, então, mesmo sendo educado, cometia essas pequenas gafes, que pra ela, a bem da verdade, quase nada importavam.
Ainda assim, ela ficava meio aflita, pensando como seria se, no casamento dos dois, na hora de tomar champanhe com as taças entrelaçadas, ele esticasse aquele dedo mingo... Aquilo afligia a Bruna barbaridade.
Tanto que em mais de uma ocasião ela pensou em falar pra ele que aquilo não era bacana. Mas não queria passar por megera controladora.
Pensou em falar fazendo piada, como que dizendo que aquilo era coisa de boiola... Mas aí seria grosseria.
A Bruna ficava, volta e meia matutando aquilo sempre que via o Vinícius erguer o mindinho antes de beber alguma coisa. Uma hora ela tomava coragem e falava com ele.
Era só descobrir como.
O que a Bruna não percebia era que o Vinícius erguia o mindinho e o indicador. Mas o fura-bolo acabava oculto pela boca do copo.
Não era um falso sinal de refinamento que ele fazia, era o gesto de lançar teias do Homem-Aranha.
O Vinícius podia não ser uma flor de polimento, mas tampouco era afetado, o mal que lhe afligia de verdade era ser nerd até a medula.

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Cinco da manhã. Tocou o celular. Ele atendeu de susto, gosto de baba na boca:
-...Arruam...?
-O inverno está chegando, lorde Stark! - Proferiu a voz jovial do outro lado da linha.
Ele levou alguns segundos pra concatenar de quem era a voz, a referência literária, e o que aquilo tudo significava junto naquele momento específico. Após o período que levou pra entender respondeu:
-Tu não pode tá falando sério...
Mas ela estava.
Ele tem corrido todos os dias de manhã muito, muito cedo. Quando o nevoeiro não deixa enxergar dez metros na frente do rosto, a luz amarela das lâmpadas de mercúrio descreve raios ao deixar o topo dos postes, tão densa é a cerração, o suor que evapora da blusa segunda-pele condensa e esfria dentro do casaco impermeável que ele veste por cima, e uma camada de água gélida se forma sobre sua barba e bigode após o percurso de cinco quilômetros.
Todos os seus músculos doem sábado e domingo inteiros após as séries de abdominais, remo e levantamento de peso da semana, mas ela estava certa:
Ele se sentia bem como não acontecia a muito, muito tempo.

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Ela disse:
-Não se preocupe. Eu já fiz isso antes.
E arrancou o coração dele, ainda pulsando, de dentro do peito. Jogou no chão e pisou em cima até o órgão brilhante, vermelho e vivo ficar parecendo um trapo esfarrapado.
Ele pensou em se atirar no chão dizendo "Por favor, não faça isso! Eu te imploro!", mas a verdade é que ele meio que já estava preparado pra quando aquilo acontecesse.
Disse apenas:
-É. Dá pra ver que tu é boa nisso.

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