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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

One and Only...?


Os dois deitados na cama, ela, de pijama. Um mini-short mini-blusa do Mickey. Ele, de calça jeans, camiseta, meias. Até de óculos ele estava, tinha apenas tirado os tênis para deitar na cama junto com ela e assistir TV. Viam um programa qualquer de embates culinários no TLC, ela adorava aqueles programas, ele preferia estar vendo um noticiário, mas não ligava. Ela parecia estar se divertindo às ganhas com a dona de casa que desafiava chefs profissionais para embates culinários.
Lá fora, a chuva caía caudalosa, mia-se perfeitamente e imensa quantidade de pingos pela janela, divisáveis graças à iluminação pública amarela.
-Benzadeus... - Ele disse após um trovão rimbombar quase fazendo o prédio tremer uma fração de segundo após um relâmpago estalar no prédio ao lado. -Eu não devia ter acreditado em ti, alemoa. Essa chuva nunca mais vai parar.
-Larga mão de ser dramático, homem... - Ela o recriminou. -Daqui a pouco volta.
-Não. - Ele disse, apontando a mão espalmada pra fora da janela dela. -Olha pra isso. Tá com cara de que vai se espichar por quarenta dias e quarenta noites. Bora construir uma arca.
Ela riu e disse:
-Olha, a mulher vai disputar com bolinhos de lagosta, agora.
Ele balançou a cabeça negativamente e continuou olhando pela janela quando, de súbito, um estrondo se fez ouvir e a luz foi cortada.
Da janela ele podia ver que a falta de luz se estendia por quarteirões e mais quarteirões até onde a vista alcançava.
-Era só o que faltava... - Ele resmungou.
-Calma que já volta. - Ela disse, batendo com a mão espalmada na cama, para que ele voltasse a deitar ao seu lado. -Dez minutinhos. - Completou.
Como não fosse capaz de enxergar nada, ele seguiu o conselho dela, e deitou.
Mas os dez minutos passaram até virarem vinte, e os vinte se tornaram trinta, e antes que virassem quarenta, ela disse:
-Tá demorando, né?
-Um pouco. - Ele concordou. Ela continuou:
-Talvez seja algum defeito mais grave.
-Acho que estourou um transformador. - Ele disse. -Aquele estrondo antes de faltar luz pode ser por causa disso. Se bobear, a gente passa a madrugada inteira sem luz.
-É melhor tu não voltar pra casa nesse breu. Fica aqui, é mais seguro. - Ela disse.
Ele concordou. Não era nem tanto pelo escuro, era pela chuva. O dilúvio que não parecia cessar jamais. Ela seguiu:
-É pena a gente ter ficado sem nada pra fazer... Sem luz, sem internet... Eu posso colocar ao menos uma musiquinha no celular pra gente ficar ouvindo, peraí.
Ela catou o grande telefone celular branco, e tamborilou a tela de toque até que os primeiros acordes de By Your Side, a versão maneira dos Beachwood Sparks, se fez ouvir.
Ele respirou ofegante e se ajeitou na cama.
-É essa a música que tu disse que é a mais sexy de todas, né? - Perguntou.
-Não... - Ele corrigiu. -Eu disse que me remete à situações sensuais... Não que a música em si seja...
-Hmmm... - Ela compreendeu. -Bom... Eu achei sexy.
Silêncio. Ela suspirou.
-Ai... Nós dois aqui no escuro, nada pra fazer...
-É. - Ele concordou, incerto.
-Dá uma ideia de alguma coisa pra matar o tédio... - Ela pediu. -O que duas pessoas poderiam fazer nesse escuro em cima de uma cama?
Ele riu:
-Jogar Stop.
Ela riu, também.
-Seu pudico.
Ficaram os dois deitados, rindo, ouvindo o som da chuva e olhando pela janela, único ponto discernível na completa penumbra. Ele pegou a mão dela. Quase por reflexo. Ela correspondeu.
A música ainda tocava.
-Dia da criança tá aí. - Ela disse, casual. -O que tu quer de presente?
Ele riu.
-Já sou grande. Não ganho presente de dia da criança.
-Ai, que homem sério. - Ela disse, escarnecendo.
-Sabe que quando eu era pequeno ficava horrorizado imaginando o dia em que eu fosse ser adulto demais pra ganhar um presente de dia da criança... Mas o processo foi muito mais orgânico do que eu poderia imaginar...
Ficaram em silêncio por algum tempo.
-Tu acha que a criança que tu foi, estaria satisfeita com o adulto que tu é? - Ela perguntou enquanto se erguia deslizando por cima dele até star apoiada em seu peito.
-Eu acho que sim. Ao menos da minha grande força física. Tu tá com o cotovelo no meu externo e eu até consigo respirar.
Ela riu e tirou o braço de cima da boca do estômago dele, ajeitando-se.
-Sério, trouxa. - Ela mordeu a maçã do rosto dele em represália.
-Ai!... - Ele protestou, tentando retribuir a mordida, mas incapaz de se movimentar livremente devido ao corpo dela por cima do seu:
-Eu não sei... - Disse. -Acho que um pouco... Eu ficaria triste por não ter me tornado piloto de Formula 1, ou Jedi...
Ela riu:
-Ayrton Senna e Luke Skywalker eram teus ídolos profissionais?
-Na verdade Nelson Piquet e Obi-Wan Kenobi... - Ele corrigiu. -Mas tirando isso... O lance da profissão, eu acho que sim. No plano geral, eu sou quem eu gostaria de ser, eu tento agir corretamente, tenho um cachorro, namorei só mulheres bonitas... Claro, olhando em perspectiva, eu imaginava que aos trinta e poucos eu já estaria casado, teria um filho... Mas na época era difícil imaginar as conjunturas econômicas de hoje em dia... Além do mais, muitas das coisas que eu idealizava então, eram frutos de opiniões que mudaram com o tempo, de crenças que eu tinha na época, e hoje não tenho mais.
-Por exemplo? - Ela perguntou.
-Eu acreditava em Deus, por exemplo... Hoje eu sou um ateu de quatro costados. Eu achava que era impossível uma pessoa viver sem família, hoje eu não vejo mais as coisas dessa forma. Eu achava cabelo comprido e barba coisas muito feias...
Ela cofiou a barba dele, que replicou:
-É... Opiniões mudam. E tu? Aquela alemoazinha ranhenta de frufru de balé cor de rosa se orgulharia de ti?
-Não. - Ela disse, seca. Tão secamente que ele até riu. Ela tentou se sustentar séria, mas não conseguiu. Riu, também.
-Por que? - Ele quis saber.
-Ah... Por um monte de coisas, Ned... Eu nem sei por onde começar... No campo profissional, eu não sou uma princesa, eu não sou vocalista da minha própria banda, e nem sou médica... - Ela resmungou. -Eu não viajei o mundo inteiro, não namorei com o McGuyver, com o Axl Rose e nem com o Hugh Grant, eu não moro numa casa com sete cachorros sheep dog e um basset, eu não tenho minha própria linha de sapatos e nem uma bolsa de cada uma das cores do arco-íris.
-E nem é a primeira-bailarina do Bolshoi. - Ele lembrou.
-Ainda mais essa. - Ela concordou.
-Além disso, estou com trinta e um anos anos e não me casei com o amor da minha vida.
Ele sorriu.
-Sabe que uma das minhas visões de mundo que mudou é a de que nós temos apenas um amor da nossa vida. - Disse, acariciando a mão dela. -Hoje em dia, eu acredito que nós podemos ter vários, dependendo da fase da vida. Um pra cada fase. Um pra cada idade. É muito injusto pensar que só existe uma pessoa que te completa e te faz feliz e pra quem tu nasceu e que nasceu pra ti. Tu encontrou uma que era tudo isso, mas algo deu errado e não foi pra frente, tu vai bater um pouco de cabeça, desperdiçar um pouco de tempo, mas eventualmente, tu vai encontrar outra pessoa que preenche os requisitos, e vai ser feliz com ela, tu não acha?
Ela ficou em silêncio, brevemente, e então, se ergueu de modo que a cabeça dela estivesse entre ele e a janela:
-Não. Não acho. Não é assim, Ned. Eu sei porque tu tá falando isso. Mas não é assim que funciona.
Ele riu.
-Olha que eu acho que é...
-Não. Não é. Tu até pode te enganar e achar que alguém era o amor da tua vida. Mas o amor da tua vida é um só. Um único e solitário. Tudo bem. Tu pode te apaixonar por várias pessoas ao longo da vida, ter uma porrada de relacionamentos legais, amar de verdade, várias pessoas. Mas O Amor da tua vida, com letras maiúsculas, é um só. Um. Só. - Ela declarou, séria, como quem estabelece uma regra.
Ele acariciou o rosto dela, que continuou:
-Talvez haja o acaso de tu não ser o amor da vida da pessoa que é o amor da tua vida... E isso é muito triste, mas sei lá... Pode acontecer. Mas não vai nessa de quê todo o amor é especial e maravilhoso, porque não é. Se fosse, a gente não andava se enrabando a vida inteira atrás do amor perfeito, e nem sofrendo que nem cachorro. Se tu tinha um amor pra vida inteira, e logo depois que ele termina tu tá em outro, é ou porque o anterior não era "pra toda a vida" ou porque tu tem merda na cabeça.
Ele riu fazendo uma careta de surpresa. Ela riu, também.
-Desculpa. Mas é.
Ele a puxou pra si, e a beijou de leve nos lábios. Ela retribuiu e deitou a cabeça em seu peito.
A luz da sala se acendeu, e a TV zuniu ao ser religada enquanto a iluminação amarela das lâmpadas da rua tingiu o teto do quarto de laranja.
-A luz voltou. - Ela disse num resmungo, com a bochecha prensada contra o peito dele.
-Eu sei. - Ele disse. Olhos fechados.
-Fica aí, hoje. - Ela pediu.
-Eu fico. - Ele aquiesceu. -
Oh when you're cold
I'll be there
To hold you tight to me
Oh when your alone
I'l be there by your side baby

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