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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Queijo


O telefone tocou, era 1979, dos Smashing Pumpkins.
-Alô... Sim, é el.. Ah, oi, Francilene. Esqueci o quê? Ah... Onde? Sim, eu sei que na tua casa, mas onde, em que cômodo... Ah... Na sala, é? Mas na sala ou na cozinha? Hmmm... Bem no meio do caminho. Não... Não, não precisa. É, ás vezes eu saio sem, mesmo. É, criar o bicho solto. Não tava preocupado, não... Capaz, guria. Não precisa. Tu não é minha esposa pra lavar minhas cuecas. Digo mais, ninguém precisa lavar minhas cuecas. Eu sou um homem adulto, lavo minhas próprias cuecas. Não te preocupa que eu passo aí e pego elas. ... Ah, sei lá. Na próxima vez que eu for aí. Não... Não hoje. É, eu tenho compromisso já. Não pode ser... Quê? Que vagabunda, Francilene? Como é que- Hã? Mas como é que eu vou saber de qual vagabunda tu tá faland-... Não, não... Nada disso. Foi um erro honesto. Não foi "qual" porque são várias. Não. Não coloque palavras na minha boca, Francilene... Eu falei "qual", mas não nesse sentido. Eu disse "qual" porque não sei a quem tu te referia. Tu tens o péssimo hábito de te referir de maneira pejorativa a todas as mulheres do meu convívio... Não. Não mesmo. Não são todas vagabundas, não, senhora. Não, senhora. Minhas amigas. E digo mais- E digo mais! A senhora também é uma mulher do meu convívio. É, tu mesmo. Tu é vagabunda? Não, né? Então, o que te faz pensar que as outras todas são? Não são. Aliás, porque a gente tá tendo essa conversa? Tu não é minha namorada, Francilene. Tu não é. E não é por falta de tentativa de minha par-De minha parte, sim, senhora. De minha parte, sim. Eu que tomei a iniciativa, não? Eu que fui falar contigo. Como é que não foi de minha parte... Há? Meu comportamento? O que é que tem o meu comportamento, Francilene? "Meu tipo"? A que tipo tu te refere? Cavalheiro? Educado? Porque é o único "tipo" no qual eu me encaixo, madame. É... Ah, é? Pois eu te digo porque é que tu tem essa impressão: É porque tu só anda com maloqueiro. Pronto, falei. É isso aí, mesmo. Anda só com maloqueiro, por isso um comportamento mais refinado te parece coisa de pegador. É... É, não tem nada de err-Não, não mesmo. Não tem nada de errado com o meu comportamento, é com o comportamento dos... Eu não- Eu não sei com que tipo de pessoa tu costumava andar, mas eu sou um gentleman, e isso pode te soar como um... Gentleman... É uma expressão em inglês pra se referir... Em inglês... Pra se referir a... Cala a boca, mulher, Ouve. É uma expressão pra se referir a um homem gentil, pombas. É... E eu sei lá porque em inglês? Porque não tem símile em português... Tradução... Sim... "Homem gentil" é uma boa tradução. Tá, Francilene, tu que sabe. Não. Eu não... Não posso hoje, já te disse. É, tenho compromisso. Não... É com uns amigos. Não, não tem nada de "amiga", Fracilene, uns amigos, mesmo. Olha... Fran-Francilele... Francilene! Tu que... Olha, tu que sabe, tá? Faz o que tu quiser. Eu não vou... Ué, quer jogar fora, joga. Eu não vou morrer por causa de uma cueca. Pode jogar fora. Quê? Fedendo? Não tava fedendo, nada, não seja mentirosa. Despeito é uma coisa muit- Quê? Cheiro de quê? O que é isso? Não, nunca ouvi falar em "queijo de pica"... Hã? Não, sua... Não, sua mula... Que nojo, viu? Francamente... O nome disso é esmegma, e eu te garanto que não, eu não tenho. Meus hábitos de higiene são muito rígi... Ah, é? Pois se eu tenho, fique a senhora sabendo que é uma porcalhona, pois comeu tudo, ontem. Rá, rá. É, isso aí, se tu só entende baixaria, eu me comunico de maneira que tu entenda. E te digo mais, essa cueca tá limpíssima, tu poderia usar como guardanapo pra comer, pra coar café, mas pode jogar fora, joga fora e aproveita e joga meu telefone junto, mula.
Desligou o telefone, abriu o whatsapp, e verificou as mensagens. Estava tudo em cima com a Fernanda, para aquele dia. Abriu outra conversa, com Luciana, e mandou a mensagem: "Lu, abriu minha agenda pra quarta que vem, quer fazer alguma coisa?".
A resposta veio poucos minutos depois, dizendo que sim, ela queria fazer alguma coisa.
Viktor sorriu, gostava da Francilene, morena jeitosa que, entre quatro paredes, topava qualquer parada. Mas não tinha tempo pra mulheres possessivas. Melhor deixar a fila andar. Guardou o telefone de volta no bolso e continuou olhando para o tráfego. De súbito, discretamente, conferiu a própria genitália. Constatou satisfeito que estava tudo muito limpo.
Não custava conferir.

Viktor de SanMartin, o higiênico, preferia não dar chance pro azar.

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