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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Rapidinhas do Capita


-Eu te amo tanto que... - Ele disse, mas parou. Franziu a sobrancelha, procurando um símile para ilustrar o quanto a amava. Ela ficou olhando pra ele, em um primeiro momento animada, em seguida apreensiva, e finalmente desconfiada, conforme ele não encontrava a palavra.
-Eu te amo tanto... - Ele disse, olhando pra baixo, mas pra lugar nenhum. Segurando a mão dela entre as suas, apertando os lábios num bico de quem está com o lance na ponta da língua mas não consegue encontrar, de quem só precisa de um empurrãozinho, da primeira letra, de uma pista...
-Eu te amo tanto... - Ergueu o braço apontando pra lugar nenhum. Ela olhou pra onde ele apontava. Realmente, não era lugar nenhum. Olhou de volta pra ele, que riu como que perdeu a paciência:
-Eu te amo tanto que... Que... Putz...
Ela continuava esperando. Ele largou a mão dela de vez, tamborilou dois dedos da mão na própria têmpora enquanto fechava um olho como quem faz força. Ela se ajeitou no sofá. Ele olhou pra ela, começou a estalar os dedos:
-Eu te amo tanto que... Porra...
Ela ergueu as sobrancelhas bem alto, olhando pra ele e balançando a cabeça de cima pra baixo como quem concorda enquanto ele chacoalhava a mão como se fosse uma manivela capaz de fazer o cérebro funcionar:
-Eu te amo tanto que... Que... Sabe...?
-Não. - Ela respondeu, seca.
Terminaram.
Um relacionamento resiste a muitas coisas, a falta de um bom símile não é uma delas.

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A Catarina chegou em casa e viu que o Jucilei tinha comprado mais uma estante de modo a tirar mais alguns de seus brinquedos de dentro das caixas onde eles estavam já fazia quase um ano. O Jucilei curtia as suas coisas à vista. De modo a poder vê-las, mexer nelas, tirar pó... A Catarina compreendia, mas cada vez que o Jucilei comprava outra estante ela sentia sua área de influência dentro do apartamento diminuir. O Jucilei era extremamente possessivo com suas coisas, e cuidadoso, tanto que a Catarina não se atrevia a mexer nas coisas dele.
Ao mesmo tempo em que ela gostava de vê-lo á vontade dentro de casa, e queria vê-lo feliz, ela não queria ver-se reduzida ao papel de intrusa na casa e no meio das coisas do Jucilei.
Com o coração apertado, parou do lado dele enquanto ele olhava atentamente o conteúdo das caixas decidindo quais brinquedos e gibis iriam para as estantes, e deu um ultimato:
-Eu realmente não me importo que tu goste de super-heróis, Jucilei. Mas eu não quero morar numa comic shop.
O Jucilei não disse nada. Fechou as caixas que mirava, as empilhou, e levou de volta ao armário embutido do quarto, onde várias de suas tralhas estavam.
A Catarina chegou a pensar que fosse o fim quando ele saiu de casa dando um "já volto" quase inaudível.
Mas acabou que ele realmente voltou logo, e com outra estante, propondo cobrir as paredes de um lado da sala com elas, mas dividindo o espaço entre as suas coisas e as dela.
A Catarina ficou muito feliz, e ela e ele se divertiram muito realizando os planos de divisão de espaço nas estantes, e ela ficou muito admirada por ter resolvido construir sua vida ao lado de um homem tão compreensivo e adulto.
O que ela não sabia, é que a coisa toda não tinha desandado por um único detalhe:
O Jucilei viu-se incapaz de terminar uma relação com uma mulher que sabia o que era uma comic shop.

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A Valquíria chamou o Beto e pediu que ele sentasse:
-Tá á vontade? - Perguntou.
-Tô, tô... - Confirmou ele, sem entender muito bem e sem estar, de fato, á vontade.
-Então, Beto... Eu te chamei aqui porque eu preciso te contar um negócio... Te falar... Um negócio... E eu achei que, em nome da nossa relação, o ideal seria colocar tudo às claras contigo, em pratos limpos, mesmo... Sabe?
-Sei... - Confirmou ele, ainda que não soubesse.
-Então, Beto... O lance é o seguinte... Eu... Olha... Eu não quero te magoar, mas... Olha... Eu... Eu não te amo mais.
-Ah, é? - Ele perguntou, aturdido.
-É... Olha, eu amei. Amei muito. Mas... Eu não sei. Acabou. Eu... Eu acho que o nosso amor era uma chama muito brilhante que se consumiu rápido por causa da intensidade... Entende?
-Sim, sim... Tipo o prazo de validade dos replicantes... - Ele confirmou, finalmente entendendo alguma coisa.
-Quê? - Ela perguntou, fazendo uma careta.
-Nada, nada... Continua.
-Bom... Eu acho que a gente tem objetivos distintos. Abordagens distintas da vida. E nossos sonhos... Bom, eles não estão na mesma estrada, mas estão em estradas paralelas, e eu espero que, enquanto nós buscamos por eles, ainda possamos ser amigos.
-Arram. Claro. Claro.
-Ah... Que bom. Olha, eu espero não ter te magoado.
-Não, capaz. Nem te esquenta. Valeu por ter me chamado. Obrigado pela consideração, e tal...
Quando ele saiu, a Valquíria ainda sorria condescendente, pensando "Tadinho. Ainda não absorveu o que acabou de acontecer.".
Ao mesmo tempo, o Beto, enquanto pegava o elevador, pensava "Caraca... Ela me amava mesmo, será? Porque eu tava nessa só pelo sexo.".

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