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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Resenha DVD: Passageiros


Ao ver o trailer de Passageiros no cinema no ano passado eu tive a impressão de que o longa, que em sua prévia tentava se vender como uma ficção científica, era, de fato, uma comédia romântica passada no espaço.
Uma impressão que me apanhou com tanta vontade que eu passei longe do filme quando ele chegou aos cinemas em meados de janeiro. Eu provavelmente sequer teria assistido passageiros em DVD, ontem, se a única outra opção de filme que eu ainda não havia assistido na prateleira de lançamentos da locadora não fosse Resident Evil 6.
Eu certamente poderia esperar Passageiros passar na TV a cabo, mas acabei alugando o filme, e, ontem de noite, o assisti, confesso, meio a contragosto de início.
O longa nos mostra a espaçonave Avalon, que, em algum período não especificado do futuro, está cumprindo uma viagem de 120 anos rumo ao planeta colônia Homestead II, levando consigo 5000 passageiros e 258 tripulantes em animação suspensa durante o percurso.
Após uma chuva de meteoros, porém, a Avalon sofre uma avaria, e, como resultado imediato, uma de suas cápsulas de hibernação é desativada, e um passageiro é despertado antes da hora.
Ele é Jim Preston (Chris Pratt), um jovem mecânico que viajava a Avalon em busca de um novo começo. Jim estava na "classe econômica" da Avalon, pensando em fazer uma vida em Homestead II onde a colonização está no começo e seus dotes profissionais seriam bem-vindos. O problema é que, conforme vaga pela espaçonave vazia, Jim se dá conta de que foi o único a despertar 90 anos antes da hora.
Pra piorar a situação, a eventualidade de uma falha nos tubos de hibernação é solenemente ignorada pela espaçonave, sendo tratada como impossível por todos os sistemas de ajuda automatizados à bordo, e uma mensagem de socorro levaria 19 anos vagando pelo espaço até chegar à Terra, e uma resposta aos seus apelos cerca de 50 anos para alcançar a Avalon.
Isso deixa Jim absolutamente sozinho na espaçonave, exceto pelos robôs de serviço e pelo androide bartender Arthur (Michael Sheen).
Por mais polido que Arthur seja, porém, não tarda para que as opções de lazer fugazes da espaçonave comecem a parecer pouco para Jim, que durante um ano joga basquete, videogame e assiste filmes sozinho no cinema enquanto come do bom e do melhor na espaçonave já que jamais terá de pagar a conta, mesmo.
Depois de um ano, Jim está prestes a cometer suicídio quando, casualmente se depara com o casulo de hibernação de Aurora Lane (Jennifer Lawrence).
Jim começa a pesquisar nas fichas dos passageiros e descobre que ela é uma jornalista e escritora de Nova York, lê seus livros, assiste seus logs de vídeo, e começa a se apaixonar pela moça.
Um ano sozinho no espaço deixou o sujeito prestes a despirocar, e ele flerta ardentemente com a ideia de despertar Aurora para ter alguém consigo na Avalon além de Arthur.
Ciente, porém, da gravidade da decisão de despertar a guria antes da hora, ele hesita, mas finalmente a necessidade de contato humano fala mais alto, e Jim sabota a animação suspensa de Aurora, acordando-a.
Ele a procura depois de ela se recuperar do despertar químico, explica a ela que ainda faltam 89 anos para a Avalon chegar a Homestead II, e a consola feito um autêntico tarado, sem mencionar que foi ele quem a acordou antes da hora.
Estando sozinho com Aurora na espaçonave, não é difícil para Jim se conectar com a moça, e logo, os dois são um casal.
As coisas seguem tão bem quanto possível, com o filme mostrando de maneira algo tímida o romance de Jim e Aurora, até ela descobrir que seu despertar não foi acidental, e azedar de vez a relação dos dois.
Se as coisas já estavam ruins para o casal, a situação piora consideravelmente quando a Avalon começa a experimentar falhas críticas em seu funcionamento autônomo, despertando um dos tripulantes e deixando claro que a espaçonave não será capaz de chegar a Homestead II sozinha. Isso obriga Aurora e Jim a colocarem suas diferenças de lado e trabalharem juntos para tentar salvar as 5255 pessoas que hibernam dentro da espaçonave além das próprias vidas e, talvez, seu romance.
Passageiros é um filme estranho...
Ele não é um filme ruim, entretém por seus cento e dezesseis minutos, tem um elenco que, apesar de econômico é simpático, bonito e talentoso, e até tem sua cota de bons momentos, mas ao mesmo tempo, eu não posso deixar de pensar que se, no lugar de Chris Pratt, nós tivéssemos, por exemplo, Peter Sarsgaard ou Cillian Murphy, Passageiros seria um filme de horror, e não um romance.
Por que, se pararmos para analisar, o que Jim faz com Aurora é algo desumano.
Ela própria, à certa altura, se refere ao seu despertar forçado como assassinato. E por mais que o roteiro de Jon Spaiths tente nos convencer da inocência de Jim, inclusive oferecendo emendas para seu comportamento abusivo (sejamos francos, o que ele faz é acordar a guria e dizer pra ela "ou tu fica comigo, ou passa os próximos 90 anos sozinha", se isso não é abuso, eu não sei o que é), o único motivo pra audiência não achar que Jim Preston é um psicopata e um criminoso é a cara de cachorro pidão de Chris Pratt. Se houvesse um ator capaz de emular um comportamento minimamente esquisito, toda a dinâmica do longa seria alterada.
O diretor Morten Tylum, do ótimo O Jogo da Imitação conduz a história de maneira distante, mesmo quando Jim está sozinho na nave, só sabemos o que ele está pensando porque ele fala a respeito em voz alta, seja consigo, seja com Arthur, e apesar de Lawrence ser uma atriz com mais recursos, o roteiro pede apenas que ela seja gatinha, o que ela é.
Com um belo design de produção, fotografia OK, e trilha sonora nada memorável, talvez a grande sacada de Passageiros seja a crítica velada que o longa faz à automação corporativa, haja vista que a despeito de todo o seu avanço tecnológico, a Avalon é incapaz de oferecer sequer uma resposta satisfatória à qualquer pergunta que vá um centímetro além de localização dentro de um shopping center.
Ainda assim, isso se perde porque é impossível não perceber que o longa está se esforçando de todas as formas pra disfarçar o fato de que Jim destruiu a vida de Aurora e a condenou a passar a vida ao lado dele. Por mais que, em certos momentos, nós sejamos capazes de nos esquecer disso e até torcer pelo casal, esse elefante espacial está sempre na sala, e é impossível não voltar a notá-lo.
Ainda assim, conforme eu disse antes, o filme não é ruim, e como entretenimento funciona, ainda que a moralidade das ações do protagonista sejam questionáveis demais e questionadas de menos, Passageiros certamente vale duas horas numa noite de domingo.

"-Se você viver uma vida comum, você só terá histórias comuns."

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