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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Linha de Produção


Foi um gesto, não um gesto, apenas, na verdade dois, totalmente opostos.
Era uma noite de sexta-feira, numa danceteria daquelas com música beeeeem alta e pessoas dançando como se estivessem tendo convulsões verticais, com olhos revirados e sacudindo os braços e pernas.
Naquela noite, Adriana estava na danceteria para, ora bolas, dançar. Ela fora á tal casa com algumas amigas, que convidaram uns amigos, que convidaram mais gente, de modo que chegaram ao lugar, nas palavras deles próprios, "de galera".
Adriana não conhecia nenhum dos guris que estavam lá, e nem queria, eles até pareciam ser gente-boa, mas não gente-boa o suficiente pra que ela quisesse ficar com eles, afinal, Adriana era reservada, algo tímida, até, e se enfiar no meio de uma porção de desconhecidos não era, nem de longe o que ela precisava naquele dia.
Especialmente homens, gênero produzido em série e que ela, durante aquela semana, começara a odiar de modo quase incondicional.
Aquele dia era o último de uma semaninha desgraçada, em que Adriana descobrira que Jéferson, seu namorado, estava mantendo relações sexuais ás escondidas com uma colega do pré-vestibular, ou, nas palavras dela, "comendo uma vadiazinha lá do cursinho" o que a fez se amaldiçoar por ter dado bola pra um fedelho dois anos mais novo e sem nada na cabeça, cuja única qualidade era lembrar, vagamente, o Heath Ledger. Ela descobriu, também, que, por dois décimos de nota, pegara exame na faculdade, justamente em antropologia filosófica, matéria do professor que ela mais detestava, o que significava que ela não poderia viajar para a casa da avó nas férias, que seriam atrasadas em, pelo menos, uma semana, exatamente a semana de folga que ela teria no emprego, e, também descobrira, após consultar seu chefe, que não podia transferir a folga pra semana seguinte por causa das escalas.
Pra completar, ela acordou na quinta com uma espinha do tamanho do monte Everest (Pelo menos na própria avaliação) no nariz, não bem na ponta, mas do lado, em cima da narina esquerda.
Foi depois de colocar as coisas do Jéferson, o clone defeituoso do Ledger e, agora, seu ex-namorado em uma caixa de papelão e deixar na portaria do prédio pra ele pegar (ou serem doadas pra caridade após uma semana, ela não ligava), que ela recebeu a ligação de Fabi, sua amiga, que a convidou pra sair, dançar, e tirar aquela semana do corpo, convite ao qual Adriana aquiesceu apenas após alguma insistência de Fabi.
Ela tomou um bom e longo banho, ajeitou os cabelos loiro avermelhados em um coque propositadamente desalinhado, e maquiou os olhos castanho-claros e os lábios generosos de maneira suave. Cobriu o corpo esguio, de pernas longas e algo finas com um vestido preto simples, e calçou os pés bonitos com sandálias igualmente pretas, e de salto baixo, por que ela queria dançar até não aguentar mais.
Agora, Adriana, dentro da danceteria, havia bebido um pouco, e estava ouvindo as gurias do Pussycat Dolls se esguelando enquanto ela dançava, dançava e espantava seus males, ou, pelo menos, os colocava atrás de si, ainda que apenas por algumas horas, ela queria distância de tudo, queria esquecer de tudo, queria que não houvesse mundo além daquilo, ela nem escutava a música ruim, ela só sentia as batidas reverberando na boca do estômago e reagia á elas dançando.
Talvez fosse aquilo, o desalinho do cabelo, escapando do coque, e o fato de ela ter os olhos fechados, e dançar jogando a cabeça pra trás, com o corpo solto, que levou um rapagão que dançava perto dela na pista, á imaginar que ela estava podre de bêbada, e, por que ela era uma moça de vinte anos, bonita, de vestido curto, o tal rapagão, ele sim, bastante embriagado, não resistiu á tentar tirar uma casquinha, e se aproximou lânguido, remexendo muito os ombros, e os braços, e envolveu Adriana pela cintura, e se pôs á beijar-lhe o pescoço longo e alvo.
Adriana levou uma fração de segundo pra se dar conta do que estava acontecendo, mas, quando percebeu a situação, não gostou nenhum pouco. Na verdade, a última coisa que Adriana queria àquela altura, era um pinguço metido á gostoso lambendo o perfume Gabriela Sabatini de seu pescoço.
Ela o empurrou pra longe de si, enquanto perguntava, aos berros, o que ele estava pensando. O sujeito não respondeu, riu, bêbado que estava, e avançou de novo, projetando o lábio inferior e fazendo uma expressão engraçada com o rosto enquanto enlaçava Adriana pela cintura. Ela imediatamente se pôs á tentar se desvencilhar daquele imbecil de baby look azul piscina e calça branca justa, mas ele era um imbecil forte, e, por alguma razão, achava que estava agradando.
Foi quando alguém cutucou o ombro do hébrio excitado, e o afastou de Adriana. Ela se desequilibrou e caiu, torcendo o tornozelo, e foi sentada no chão, enquanto era aparada por Fabi, que viu Roberto, um dos amigos das amigas da Fabi interpelar o pinguço, ela achou o diálogo de Roberto com o bêbado excitado muito bacana:
-Tu perdeu alguma coisa, parceiro?
-Não...
-Perdeu sim, só não sei se foi o respeito, o juízo ou a noção do perigo, te manda!
O bebum deu de ombros e foi embora, e Roberto se ajoelhou e ajudou Adriana a se levantar, a amparou até uma cadeira, tirou sua sandália e lhe trouxe um copo de água. Só depois que ela bebera a água sentindo o gás machucar sua garganta, ele tirou o cabelo dela dos olhos e perguntou se ela estava legal.
Ele acompanhou ela e Fabi até sua casa quando saíram da danceteria, e perguntou, outra vez, se ela estava bem. Despediu-se beijando ela na testa, e foi embora a pé, caminhando devagar e mexendo no telefone.
Fabi disse pra ela quando entraram no prédio "O Roberto tá na tua.", e ela deu uma risada forçada pro lado, como quem responde "Ah, é.", mas no fundo, ela imaginou que seria bacana, que talvez, nem todos os homens saíssem da mesma linha de produção, e, se saíssem, talvez ela pudesse dar a sorte de encontrar um "com defeito".

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