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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Tic-tac II


Retardo emocional. Era o diagnóstico que Adalberto fazia de si próprio:
Retardo emocional. Se alguém perguntasse á Adalberto o que significava esse diagnóstico, ele, de bom grado, explicaria que era a incapacidade de participar de um relacionamento como uma pessoa adulta e saudável. Adalberto não sabia fazer isso. Ele gostava de se relacionar, ele gostava de gostar de pessoas. Adalberto gostava de pessoas. Adalberto flertava, Adalberto fazia amizades (Poucas, afinal, era um misantropo com fortes tendências á ter um saudável misto de desconfiança e ódio da humanidade, mas ainda assim...), ele se apaixonava, amava. Ás vezes era fugaz, em outras durava anos.
Adalberto sabia o que queria. Á despeito de olhar pela janela e ler os jornais, e ver os noticiários e saber que aquele mundo estava com o prazo de validade bem próximo de expirar, e que o mais correto seria que ninguém mais tivesse filhos para garantir a extinção da raça humana caso a mãe natureza falhasse, ele ainda assim, sabia.
Adalberto queria ter uma família. Ele queria filhos, queria ensinar um moleque a olhar sob a saia das meninas e chutar uma bola, e queria encher o coração dos pretendentes de sua filha de pavor quando ela fosse sair pela primeira vez. E, acima de tudo, Adalberto queria uma mulher com quem pudesse envelhecer, alguém para lhe dizer que calças com prega estavam fora de moda, e que aquela camisa azul ficaria medonha com o blazer marrom. Alguém que perguntasse o que ele havia feito o dia todo, e em cujo colo ele pudesse deitar a cabeça se o dia houvesse sido medonho. Ele queria alguém de quem tomar conta, alguém á quem pudesse garantir a segurança, por mais improvável que seja a ideia de segurança em um mundo que está se esfacelando á olhos vistos. Ele queria uma companheira para dividir os dias, e as noites, e queria amar e ser amado. Mas nesse mundo? Sendo ele quem era? Sendo como era? Seria justo arrastar uma mulher especial o suficiente para amá-lo (E amar Adalberto era, de fato, tarefa para poucas e bravas pessoas.) para uma existência repleta de mazelas e obstáculos?
Eram os desejos de Adalberto, amar, ser amado, veruma família crescer... Pelo menos quando ele não estava vergando sob o peso do próprio pessimismo e da própria falta de noção de relacionamentos.
Adalberto já havia estado em relacionamentos, claro, mas sempre percebeu que não fora a pessoa que deveria ser. Ele sempre acabava interpretando um papel, e jamais era ele mesmo, se doava de menos, ou se doava demais, e então, magoava a pessoa que estava com ele, ou acabava ele, magoado.
E, para explicar sua dificuldade em se relacionar, o diagnóstico encontrado por Adalberto era esse:
Retardo emocional.
Relacionamentos, para Adalberto, eram tão misteriosos e complexos quanto física nuclear para uma criança de seis anos de idade.
A diferença é que Adalberto era uma criança de seis anos que, como Mahmmoud Ahmadinejar e Enéias Carneiro, queria uma bomba atômica.
Adalberto queria se relacionar, ele sabia com quem, mas ele não sabia como. E, com o planeta se esfacelando ao seu redor, ele via o relógio tique-taqueando, e imaginava se daria tempo para isso.

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