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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os Idiotas e Os Apaixonados


O Eduardo saiu de casa todo perfumado, de banho tomado, cabelo penteado, e roupa alinhada que parecia que ia fazer exame de fezes.
Andou esbaforido o meio quarteirão que o separava de seu destino, diante do qual parou e respirou fundo.
Ele parou em frente ao caixa do mercadinho onde a Daniela trabalhava. Era o caixa 3, dos quatro do mini-Mercado Silva, que pertencia ao seu Oliveira, que o comprara da viúva do falecido Silva anos antes.
O mercadinho do seu Oliveira era a tábua de salvação do bairro já que os hiper e super-mercados mais próximos ficavam à uma distância considerável dali, de modo que, sempre que alguém precisava, de última hora, de azeite, ovos, um molho, pão ou detergente, corria até o mini-Mercado Silva, fazia suas compras, e saía amaldiçoando o seu Oliveira pelos seus preços exorbitantes.
Eduardo nem tinha conta de quantas vezes entrara no mercadinho do seu Oliveira pra comprar bolacha recheada, salgadinho, refrigerante e chiclete, mas sabia exatamente quantas vezes tinha ido até lá apenas para ver a Daniela:
Mais de trezentas.
No último ano, haviam sido precisamente trezentas e setenta e três vezes. Mais de uma por dia.
O Eduardo se apaixonou pela Daniela à primeira vista. Perdidamente. Foi só colocar os olhos em cima da beleza de Daniela, de sua pele cor de canela, de seus longos e encaracolados cabelos negros, de seus olhos brejeiros, de suas coxas firmes, seus seios e quadris generosos, seus braços torneados e ombros delicados... Eduardo se apaixonou por ela na primeira vez em que passou um pacote de Trakinas de morango e uma garrafa de Sprite no caixa, e ela, ao lhe devolver o troco, disse que adorava aquele biscoito, e deu-lhe uma piscada cúmplice.
Se apaixonou mais ainda ao ouvir sua voz rouca. Foi edificando seu amor secreto a cada passada no mercadinho. A cada breve comentário dela a respeito de suas compras, ou a respeito de qualquer assunto por comezinho que fosse. A cada ocasião em que podia ver seu sorriso franco e aberto, e vê-la cantando sem som, apenas mexendo os lábios, qualquer pagode que tocasse de um carro que passava, ou do celular de algum cliente.
E o Eduardo, que nem gostava de pagode, após um ano de ensaio, tomou coragem, e foi ao mercadinho do seu Oliveira disposto a se declarar à Daniela sem nenhuma pista que indicasse que era retribuído em suas afeições, mas repleto de uma coragem que acomete apenas aos idiotas e aos apaixonados que, na maior parte das vezes, são a mesma coisa.
Parou diante do caixa da Daniela, que o olhou e ergueu as sobrancelhas e abriu a expressão num sorriso admirado com a caprichada produção do Eduardo, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, o Eduardo, tão afinado quanto podia, o que não era lá muita coisa, começou a entoar:
-Daniela, minha Dani, minha Dani, Daniela, Daniela é rainha, a minha rainha é ela...
Arrancando risos de alguns clientes, assobios estridentes e exclamações de incentivos de outros.
A Daniela fechou a expressão, e disse, em voz baixa, mas decidida:
-Pára.
O Eduardo pensou em dizer algo, chegou a abrir a boca e tomar fôlego, mas Daniela reforçou:
-Pára, por favor.
E o Eduardo parou, murchando como uma flor arrancada do chão e largada ao sol. Começou a se dirigir a saída enquanto sentia-se enrubescer, enquanto sentia-se encolher sob o peso da própria insignificância. Eduardo secretamente sempre soube que a Daniela era areia demais para seu modesto caminhãozinho, mas nutria a esperança de que ela fosse capaz de ver além de sua aparência mediana, que ela fosse capaz de ver que ali, naquele magricela de cabelo castanho e bochechas vermelhas, havia um homem devotado, que se esforçaria ao máximo de sua capacidade para fazer feliz à uma bela mulher que fosse generosa o suficiente para dar-lhe uma chance. Que seria sempre fiel, e sempre grato por poder partilhar a vida ao lado de um alguém tão linda e cheia de vida como Daniela.
Deu dois passos para fora e ouviu atrás de si:
-Psiu?
Virou-se, incrédulo, e viu Daniela, muito séria:
-O seu Oliveira não gosta. - Deu um sorriso contido e completou -Eu saio às sete. Aí tu continua. - E concluiu com uma piscada cúmplice.
Sim... A coragem de Eduardo era do tipo que apenas possuem os idiotas e os apaixonados. Mas não é também, justamente a esses dois grupos que se destinam os mais improváveis triunfos, glórias e sucessos?

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