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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O Fim de Demolidor da Netflix


Dia triste para todos os fãs de séries e de super-heróis. A Netflix confirmou o cancelamento de Demolidor.
A série pioneira dos super-heróis da casa das ideias no serviço de streaming pode ter sido a porta de entrada para coisas como Punho de Ferro, Jessica Jones e Os Defensores, mas também pariu a ótima série do Justiceiro e foi, por si só, a melhor série de super-herói jamais feita.
A adaptação dos quadrinhos de Bill Everett e Stan Lee às telas de TVs, PCs e Tablets pelo mundo todo deu uma aula de como se faz uma série de super-herói.
Sem o maior dos orçamentos, o programa do diabo da guarda de Hell's Kitchen investiu pesado em estilo, originalidade e capacidade de condução de história para construir um programa que ficou tão acima dos demais seriados (e de muitos filmes) do mesmo gênero que chega a ser covardia fazer qualquer comparação. Não há nenhuma, Demolidor é única.
A série encontrou um raro equilíbrio para adaptações, onde conseguiu ser fiel ao material fonte e ao mesmo tempo, manter-se inesperada para o público iniciado enquanto desenvolvia seus personagens de maneiras que o leitor de quadrinhos não era capaz de antever.
Eu me lembro do choque de ver Wilson Fisk matando Ben Urich na primeira temporada, ou da forma como, na segunda temporada Elektra morre, não como uma vítima usada para atingir o protagonista, mas se sacrificando para salvá-lo de Nobu, cenários absolutamente diferentes dos que havíamos visto nos quadrinhos, mas honestos para com os personagens e servindo ao desenvolvimento da narrativa que estava acima de qualquer outra coisa...
Demolidor deu um passo adiante ao simplificar. A série não precisou de nada além de um chefão do crime para ter o melhor vilão da Marvel ao tornar Wilson Fisk, o Rei do Crime de Vincent D'Onofrio um personagem complexo, cheio de nuances e profundamente vivo.
Ao tornar o vilão uma pessoa de carne e osso, com motivações além de torcer os bigodes e destruir a humanidade, a série criou o antagonista definitivo porque, em diversas ocasiões, era impossível não ver o bandido da vez como um ser humano que, a despeito dos rompantes de ira e da frieza psicopata, se orgulhava do que fora capaz de construir sozinho, e ansiava por amar e ser amado, um chute nos ovos de qualquer uma das outras quinze ou vinte séries de super-herói que a TV disponibiliza hoje, e que são, sem qualquer apelação, demolidas (rá) por Demolidor.
Não era apenas um grande vilão, porém.
A atuação de Charlie Cox como Matt Murdock/Demolidor é simplesmente fantástica. O ator britânico capturou com perfeição a humanidade e a falibilidade do protagonista. Matt é um bom homem tentando fazer o bem, sim, mas também é alguém lidando com uma raiva profunda dentro de si. Um homem atormentado por uma vida de perdas que encontra tanto sentido em proteger os mais fracos quanto prazer em punir os culpados. Em outra brilhante demonstração de coragem, a série deixou claro que Matt gosta de machucar pessoas.
Orbitando o sistema binário que era a série, com seus dois sóis na forma do Demolidor e do Rei, havia um elenco fixo acima da média com Deborah Ann Woll interpretando uma Karen Page que tinha os mesmos pés de barro dos quadrinhos, mas de formas totalmente distintas, e o Foggy Nelson de Elden Henson, que era o melhor amigos que todos gostariam de ter. Não bastasse tudo isso, na segunda temporada tivemos o Justiceiro e a Elektra, e novamente, acertos em cheio.
A ninja assassina vivida por Elodie Young era tão apaixonante quanto ambígua, toda gosto por sangue, mas verdadeiramente apaixonada por Matt Murdock. Uma sobrevivente nata que estava disposta a morrer pela pessoa a quem amava. A despeito de muita gente torcer o nariz para a trama com Elektra ou para a escalação/atuação de Elodie Young no papel, eu acho as duas coisas sensacionais, e o final da temporada, com uma luta de ninjas nos telhados de Nova York, era exatamente o que eu queria ver.
Antes disso, porém, tivemos o Frank Castle de Jon Bernthal.
E eu só preciso de uma cena para deixar claro o tamanho do acerto na escalação de Bernthal no papel: No quarto episódio da segunda temporada, a cena onde Castle e Murdock conversam no cemitério, quando o Justiceiro, que até então era pouco mais que um saco de ódio alvejando, espancando e apunhalando bandidos abraça toda a humanidade do mundo entregando um monólogo de esmagar o coração ao Demolidor, que, compadecido do homem que até pouco tempo atrás era um inimigo, derrama lágrimas.
Pode-se argumentar que ter um elenco acima da média seja a razão para tanta superioridade de Demolidor em relação a outras séries, e eu não vou discutir, entretanto, ter tido diretores e produtores dispostos a dar espaço para que esses atores brilhassem e roteiros que dessem um passo tão além na esfera emocional é tão fundamental quanto.
E se nada disso foi capaz de deixar claro o quanto Demolidor é melhor que qualquer outra série de super-herói, então eu ofereço a cartada definitiva: A ação.
Nenhum outro programa tem uma coreografia de lutas tão sensacional. Nenhum outro programa tem cenas de ação tão boas com os dois pés cravados na realidade. Nenhum outro programa teve as cenas do corredor.
A primeira delas, no segundo episódio da primeira temporada, é provavelmente a melhor cena de luta da história da TV, sem discussão (e que me desculpe Into the Badlands), e a cena da escada na segunda temporada, e a da prisão, na terceira, podem perder em impacto, mas são visualmente impactantes, tecnicamente desafiadoras e espetaculares cada uma à sua maneira.
Agora, após uma terceira temporada tão boa quanto as outras duas, a Netflix cancelou a série como eu temia, provavelmente porque esses personagens reverterão à Marvel/Disney, que pretende usá-los em seu vindouro serviço de streaming Disney + onde eles todos poderão ganhar versões com censura 12 anos e render dinheiro pra Disney direta e não indiretamente.
Seja como for, eu sou desde já uma viúva de Demolidor. Uma viúva de Charlie Cox, Vincent D'Onofrio, Deborah Ann Woll, Elden Henson e todos os demais atores, roteiristas, diretores e produtores que ajudaram a construir o que ficará marcado como o pináculo das adaptações de quadrinhos para qualquer mídia.
Para a série que demoliu toda a concorrência.

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