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terça-feira, 20 de novembro de 2018

Resenha Game: Red Dead Redemption 2


Ainda não tem um mês que eu estou jogando Red Dead Redemption.
Comprei o novo game da Rockstar, primeiro da desenvolvedora para a atual geração de consoles (GTA V, lembrem-se, é um game da geração passada lançado em versão remasterizada...) no dia da estréia, 26 de outubro, após uma pequena peregrinação, pois o game estava esgotado nas primeiras três lojas onde estive, e o joguei desde então com breves intervalos eventuais para me dedicar à minha carreira no FIFA 19.
Após pouco mais de três semanas, eu mal e mal arranhei a superfície da história de Red Dead Redemption 2, cheguei a completar 37% do jogo, mas uma missão opcional que eu não consegui completar martelou na minha mente complecionista de tal forma que resolvi recomeçar e, francamente, não me arrependo.
Red Dead Redemption é uma experiência massiva, sim, com suas 104 missões e sem-número de atividades paralelas, desafios, itens e encontros aleatórios o game pode consumir muito mais de 100 horas da vida de um jogador interessado (apenas terminar o jogo demanda algo entre 60 e 70 horas, segundo a Rockstar informou...), mas é uma experiência massiva da qual tomamos parte com gosto porque um mundo aberto jamais foi tão vivo ou tão lindo em um jogo de videogame.
Nosso avatar nesse mundo em constante movimento é Arthur Morgan.
Arthur é um dos membros mais antigos da gangue de Dutch Van der Linde. Há mais de vinte anos ao lado de Dutch e Hosea Matthews, os dois fundadores da gangue, Arthur é praticamente filho dos dois, e é um dos mais importantes membros do grupo, sendo o braço forte para qualquer necessidade, e, quando encontramos o bando, no início da primavera de 1899, eles estão em um momento de grande necessidade.
O velho oeste está mudando. Os Estados Unidos estão se tornando uma nação de leis civilizadas e não há mais espaço para a bandidagem de outrora. As forças federais se mobilizam para colocar um fim às atividades criminosas das gangues que assolam o país, e um dos principais alvos é a gangue Van der Linde.
Após um assalto dar terrivelmente errado na cidade de Blackwater com consequências trágicas para o grupo que precisa fugir por suas vidas. Com pinkertons e federais em seu encalço, o bando ainda é colhido por uma violenta tempestade de neve, e precisa deixar sua viagem para o oeste de lado, se abrigar em uma cidade de mineração abandonada, reagrupar e pensar em seus próximos passos.
É difícil não pensar nesse primeiro capítulo do game, com suas missões restritas a uma pequena porção do mapa e geralmente encabeçadas por um outro personagem que não Arthur, como um tutorial obrigatório enquanto conhecemos os demais membros da gangue. De caras novas, como o cozinheiro Pearson ou o mestiço Charles Smith, a velhos conhecidos como Javier Escuela e um jovem John Marston, as missões de Arthur Morgan nos levam a conhecer cada um dos membros da gangue Van der Linde enquanto assumimos um papel central na trama e no bando.
Como braço-direito de Dutch, não há missão na qual Arthur não tome partido, não há plano ou maquinação em que ele não se envolva. Arthur inclusive é incumbido de assumir as finanças do grupo após escaparem da nevasca. Se Dutch Van der Linde é o centro da gangue, Arthur é, junto com Hosea, a adjacência mais importante, e isso lhe dá o destaque que o game apresenta.
Esse destaque permite que o jogador faça as coisas em seu próprio passo. As atividades paralelas que o game oferece além da história principal são apresentadas de forma cadenciada, caçar, pescar, cavalgar ou simplesmente cometer roubos ou tomar partido em tiroteios têm mecânicas específicas que consomem várias horas de jogo, e ainda que essas missões sejam óbvios tutoriais, é agradável completá-las já que elas nos levam a conhecer melhor os membros da gangue e criar laços com eles.
Pode parecer supérfluo, mas não é. Red Dead Redemption 2 é a história de Arthur Morgan, sim, mas também é a história da gangue Van der Linde, e de como eles chegaram ao ponto em que os conhecemos no primeiro jogo. Saber como tudo acaba, mas não saber o que levou as coisas a acabarem dessa forma, é um elemento de tensão e tanto, potencializado exatamente pelos laços que o jogador forma com esses personagens ao longo do jogo.
Uma coisa que, ao menos até onde eu cheguei, ás vezes parece um pouco supérflua, é a saúde de Arthur e a forma semi-realista como ela é tratada.
Quando o jogador não come o suficiente, Arthur fica abaixo do peso. Se come demais, ele fica acima do peso.
Não há impacto notável desses aspectos sobre o desempenho do personagem no jogo, porém. Este, está mais ligado às habilidades core de stamina, dead eye e saúde, que pouco flutuam se o jogador consumir tônicos e itens específicos. Não há uma variação visual cartunesca de peso do protagonista como em GTA San Andreas, embora seja visível quando Arthur engorda, então, como ao comer, geralmente desperdiçamos tempo, minha versão de Arthur está sempre abaixo do peso.
"Minha versão", por sinal, não é um eufemismo. Ainda que, em diversas ocasiões fique claro que muito das escolhas oferecidas a nós durante o jogo sejam ilusórias (a história de Arthur é a tragédia de um bando de criminosos, afinal de contas), poucos jogos oferecem tamanha liberdade na hora de customizar o personagem. Prova disso é que, em todas as imagens do jogo que eu vi online, jamais me deparei com uma única que fosse sequer parecida com o visual que escolhi para o meu Arthur Morgan (fisicamente, eu usei o Wild Bill de Jeff Bridges como minha referência, enquanto o guarda-roupa é o de Yul Brynner e Denzel Washington em Sete Homens e um Destino...). Do comprimento e estilo dos cabelos e da barba (que crescem de forma relativamente realista), até as esporas, passando por camisas, coletes, casacos, botas, calças, suspensórios, chapéus, tudo pode ser escolhido pelo player e comprado em uma das inúmeras lojas espalhadas por essa versão dos Estados Unidos da América que é um espetáculo à parte.
Se estendendo de picos gélidos cercados por neve e lagos congelados do norte até pradarias verdejantes nas terras centrais e pântanos lamacentos no sul profundo o mapa é vasto e aberto.
Antes mesmo de começar a realizar missões eu já estava vagando pelo mundo apenas pelo prazer de enxergá-lo. Não é preciso ter um Playstation 4 Pro e uma TV 4K pra perceber a beleza desse mundo, o capricho que a Rockstar aplicou a cada detalhe da vegetação à fauna e a arquitetura. Conforme eu disse ali em cima, jamais houve mundo aberto mais lindo ou mais vivo em um game.
As diferenças entre as localidades não se resumem a geografia. É notável que, quando as colinas gramadas habitadas por cervos e coelhos se tornam brejos úmidos habitados por crocodilos as pessoas que vivem naquele local têm novos sotaques, novos backgrounds e os encontros aleatórios têm motivações distintas. Na bela e civilizada Saint-Denis alguns dos habitantes falam em francês como na Louisiana, e em Rhodes o povo sulista parece não ter superado a Guerra Civil que ocorreu quase 40 anos antes. Esse mundo segue se movimentando e evoluindo independente da vontade ou presença do jogador. Uma casa em construção pode ter sido concluída quando tu voltar à uma cidade visitada muitos capítulos antes, e as pessoas que vivem ali ainda podem lembrar do que Arthur fez a elas, para o bem ou para o mal.
A ausência de um sistema tradicional de viagem rápida (inicialmente não há nenhum, e apenas após um bom investimento no acampamento da gangue, é possível ativar um sistema de ida, mas não de volta) força o jogador a permanecer no lombo do cavalo por muito tempo, explorando o mapa todo à moda antiga. Pode parecer um grande sacrifício com um mapa tão grande, mas eu garanto, Red Dead Redemption 2 não é um game para apressadinhos, lamento. A exploração é uma parte importantíssima do Game, e eu prometo, é a parte onde o jogador tem mais voz ativa nas decisões, escolhendo, genuinamente o curso de ação. Seja uma pessoa perdida na mata precisando de um guia até a cidade mais próxima, seja uma mulher sendo sequestrada por um bandido ou um pobre diabo picado por uma cobra peçonhenta, esses são os momentos que oferecem mais gerência ao jogador sobre a forma como Arthur age e isso influencia diretamente o sistema de honra.
Eu não sei o tamanho que o sistema de honra tem sobre o desfecho do jogo que, segundo li, conta com três finais possíveis, mas ele certamente torna a vida do jogador mais fácil no decorrer da história.
Claro, ser um bandido simples e puramente garante mais dinheiro mais rápido, mas enquanto esse estilo de vida dificulta o trânsito pelo mundo por conta dos homens da lei, e força o player a gastar uma fortuna pagando recompensas para poder andar livremente pelo mapa, ter uma honradez elevada garante ótimos descontos nas lojas do jogo, um melhor trânsito com agentes da lei, e uma disposição melhor de parte da população em geral, além do mais, seguindo a história do jogo, Arthur obtém uma bela quantia apenas com as missões, sem contar caças ao tesouro, eventuais querelas com outros foras-da-lei e pura e simples exploração...
Um aspecto interessantíssimo do jogo é o diário de Arthur. Através dos escritos do caubói nós o conhecemos um pouco melhor, temos acesso a insights que ele jamais verbaliza de seus conflitos internos à sua visão dos demais membros da gangue. Arthur faz rascunhos de lugares que visita e de coisas curiosas que vê pelo mundo (e acredite, há muitas. De esqueletos gigantes à vampiros, passando por alienígenas e viajantes do tempo...) ao melhor estilo Nathan Drake, além de montar um pequeno compêndio dos animais que conhece e das plantas e ervas que descobre, mas essencialmente deixa claro que gostaria de ser uma pessoa melhor, e é difícil, enquanto condutor do personagem nesse mundo, não querer ajudá-lo a conseguir isso, mesmo que cumprir as missões do jogo meio que torne o esforço algo fútil.
Arthur é um criminoso afinal de contas, de modo que, de modo geral, suas missões em nome de Dutch incluem roubo, extorsão e assassinato. Logo no começo, após me esforçar para ajudar nas tarefas do acampamento, ajudar estranhos pelo mundo, ser gentil com animais e dar esmolas aos pedintes fui incumbido de viajar até uma cidade, executar uma fuga da prisão e matar todos os homens da lei num raio de quilômetros. Dificilmente coerente, devo admitir, e, conforme eu disse antes, o tamanho das nossas decisões é ilusório, mas importante para que o arco de personagem de Arthur faça sentido. E, por mais que, à certa altura, nós já saibamos mais ou menos como funciona a estrutura de qualquer uma das missões do jogo, há uma variedade grande o bastante para que, combinado com a exploração livre e atividades secundárias, nada se torne entendiante até porque, a paciência é recompensada por cada avanço no arco de todos esses personagens.
À certa altura, eu, que já havia me afeiçoado a Hosea, Mary Beth, Karen, Tilly, Charles e Lenny, me vi sentado e rindo com Bill Williamson, pescando com Javier Escuela e fazendo piadas com Dutch Van der Linde. Todos vilões do primeiro jogo, e isso diz muito a respeito da qualidade narrativa do game.
Se Red Dead Redemption era a história de John Marston, Red Dead Redemption 2 é muito mais do que a história de Arthur Morgan, é mais do que a história da gangue Van der Linde, é mais, até, do que a história dos estertores do Oeste Selvagem. É a história de uma ideia de comunidade e de como ela não tinha mais espaço em um mundo que se recusou a esperar. E através de Arthur Morgan e de seu jeitão matuto de desejar um mundo melhor mas conhecer seu lugar no mundo possível, nós experimentamos um conto muito mais amplo e reflexivo, ambientado em um mundo sem paralelo que é muito, muito difícil de querer deixar pra trás.

"-Nós somos ladrões em um mundo que não nos quer mais."

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