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sábado, 10 de novembro de 2018

Resenha Cinema: Bohemian Rhapsody


Quem me conhece sabe que eu jamais fui uma pessoa das mais musicais. Ainda que eu nutra o que considero um saudável gosto por música, e tenha algumas dezenas de faixas no meu telefone celular além de ter sido um muito, muito moderado comprador de CDs na adolescência, eu jamais fui desses apaixonados por bandas que têm posteres, e usam camisetas da banda preferida. Mesmo que eu tenha minhas bandas preferidas, não tenho conhecimento enciclopédico de suas trajetórias além de um eventual especial pescado ao acaso num canal Bizz ou VH1 da vida.
Ainda assim, com meu modesto conhecimento no tema, considero-me um fã de rock. Minhas bandas favoritas, Led Zeppelin, AC/DC e Beatles, não necessariamente nessa ordem, não necessariamente em nenhuma ordem, são todas bandas de rock, e eu acho que mais de noventa por cento do que eu ouço é rock. Enfim, mesmo com meu conhecimento modesto no tema, eu sempre considerei Freddie Mercury o maior vocalista do rock, e ponto.
Não é apenas pelo alcance monumental de sua voz, mas pelo seu carisma e habilidade de interagir com a platéia. Enquanto Brian May tocava guitarra, Roger Taylor tocava bateria e John Deacon tocava baixo, Mercury tocava piano e a audiência.
De modo que ainda que Queen não seja a minha banda preferida (embora eu tenha na minha playlist diária Don't Stop Me Now, Crazy Little Thing Called Love e Bohemian Rhapsody), Mercury e sua trupe têm um lugar na minha memória afetiva musical, foi por isso que eu resolvi dar um tempo no meu exílio cinematográfico e ver a cinebiografia da banda no cinema, e não no conforto do meu blu-ray.
Bohemian Rhapsody, um filme que sofreu com uma nada desprezível cota de escândalo e drama em seu processo de criação, com o diretor titular Bryan Singer tendo sido demitido do comando da produção no final das gravações e substituído pelo não-creditado Dexter Fletcher, é bastante convencional em sua abordagem da vida, não exclusivamente de Mercury, mas da banda Queen, desde o momento em que o jovem Farrokh "Freddie" Bulsara (Rami Malek) conhece a banda Smile, naquele momento composta apenas pelo guitarrista Brian May (Gwiyim Lee) e pelo baterista Roger Taylor (Ben Hardy), recém abandonados pelo vocalista e baixista original da banda em 1970.
Com o jovem extravagante como seu novo vocalista, e John Deacon (Joseph Mazzello) assumindo o baixo, a Smile se torna o Queen, e de uma banda de pubs e festas universitárias para a qual ninguém ligava, eles se tornam um fenômeno embalado por hit atrás de hit fazendo turnês pelo mundo e gravando discos experimentando com o próprio trabalho e se recusando a abraçar uma fórmula até o momento em que Freddie, afundando-se em influências sombrias, resolve seguir em carreira solo, uma decisão que cobra muito mais caro do que ele poderia imaginar.
A trajetória inicial da banda é uma divertida viagem através dos hits, mas a vida de Mercury é o ponto mais interessante do filme, mesmo que o roteiro de Anthony McCarten e Peter Morgan a retrate de maneira bastante cautelosa e afetiva, poupando o espectador médio de detalhes mais escandalosos e, de forma competente, trabalhando em uma zona segura onde escolhe aludir à vida de excessos que o cantor levou ao invés de efetivamente mostrá-la.
Há escolhas discutíveis (mas compreensíveis do ponto de vista financeiro), como mostrar o relacionamento de Freddie com Mary Austin (Lucy Boynton) como a única relação significativa da vida do cantor enquanto praticamente nenhum romance feliz com outro homem é mostrado. Suas relações homossexuais são vislumbradas brevemente, sem alarde, em montagens silenciosas que deixam claro tanto o polido envolvimento dos membros sobreviventes do Queen quanto a interferência do estúdio na produção para torná-la tão "família" quanto uma cinebiografia de uma estrela de rock setentista poderia ser.
Tudo isso seria um problema se o longa não tivesse uma poderosa arma para dar uma sacudida e manchar, no bom sentido, o que poderia ser uma modorrenta biografia chapa branca:
Rami Malek.
O ator está excepcional como protagonista. Toda a sua performance é um espetáculo por si só. Ele rouba cada cena, cada fala, cada momento do filme com uma atuação brilhante que chuta o longa para cima, elevando-o com a pancada de que ele precisa para não ficar com cara de elegia póstuma. E na sequência final, que recria o legendário show do Live Aid de maneira sensacional, fazendo a audiência se sentir, de fato, em um show do Queen (eu juro, tinha um casal algumas fileiras adiante que balançava os braços no ritmo da música e um bocado de gente que aplaudiu quando a banda deixou o palco...), Malek incorpora Freddie Mercury de maneira espantosa mostrando o tamanho de seu talento e comprometimento para com o papel, indo muito além de uma boa imitação e uma boa caracterização para buscar uma interpretação das aflições de alguém tão desajustado que só sabia se sentir aceito em cima do palco enquanto cantava.
Até onde ouvi, Bohemian Rhapsody foi criticado tanto por ter um personagem central gay que aparece se beijando com outros homens, quanto por não ser "gay o suficiente", mostrando Freddie tendo uma mulher como o amor de sua vida e parecendo funcionar melhor quando cercado por seus colegas de banda heterossexuais e bem ajustados, o longa foi criticado por não ser invasivo o suficiente na faceta mais sombria de Mercury, em sua vida de excessos e seus inúmeros casos sexuais, foi criticado por ser repleto de clichês, por apostar em momentos construídos para agradar determinadas audiências e foi criticado até por Rami Malek não ser suficientemente parecido com Mercury e sua caracterização ter cara de cosplay brega. Mas ainda que o longa não seja, de forma alguma um filme à prova de críticas, muito de suas "falhas" são decisões conscientes. Tão conscientes quanto a decisão de Farrokh Bulsara tomou de mudar seu nome legalmente para Freddie Mercury, de se tornar um músico, uma estrela, e enfim, uma lenda. Tentar tornar Bohemian Rhapsody mais palatável para audiências conservadoras sem efetivamente esconder nada da vida ou das preferências do astro pode não ser uma decisão corajosa ou mesmo inteligente, mas não rouba em nada da genialidade de seu personagem central.
Uma pessoa que compôs produziu e cantou de uma vida cheia de humilhações e inadequações até a posteridade reservada apenas aos grandes.
A despeito da troca de timoneiro, Bohemian Rhapsody não sofre por ter dois tons distintos no mesmo filme, como Liga da Justiça, há um bom trabalho de elenco (que conta com nomes como Tom Hollander, Aindan Gillen, Allen Leech e Mike Mayers), uma trilha sonora cheia de hits (não apenas do Queen) e uma boa produção. Não, não é perfeito. Nem de longe, e como todas as cinebiografias do cinema, dá uma torcida na realidade para gerar emoção, um expediente que, mesmo com sua honestidade discutível, funciona. Mesmo que não tivesse tudo isso, apenas a atuação de Malek já garantiria uma ida ao cinema.

"-Nós acreditamos uns nos outros... Isso é tudo. Nós faremos coisas grandes. É uma experiência. Amor, tragédia, alegria... É algo que as pessoas irão sentir que pertence a elas."

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