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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aspas.


Andavam pela rua e, claro, brigavam. Brigavam, não. Discutiam. Ela enrubescida de raiva, ele com um meio sorriso sardônico no rosto. Ela odiava quando ficava furiosa e ele ficava com aquele meio-sorriso idiota.
-Tu pensa que eu não percebi? A tua cara?
-Que cara?
-Quando aquele bêbado daquele teu amigo perguntou se tu ia pescar com ele e os outros pinguços. Tu acha que eu não vi?
-Viu o quê?
-Tu revirar os olhos e apontar pra mim com o queixo. Acha que eu não vi?
-Ah, não ferra, amor.
-Quer saber qual é teu problema?
-Não. Tu sabe qual é o meu problema?
-Eu sei qual é o teu problema.
-Então manda, depois falamos sobre os teus problemas, teus, problemas - Disse ele destacando os esses que caracterizavam o plural.
-Eu não tenho problemas, quer dizer, eu tenho, claro, mas eu sei quais são, eu sei quem eu sou, sei o que faço, tu, por outro lado, é incapaz de abraçar a tua identidade, tu é uma metamorfose ambulante.
Ele odiava a mania dela de colocar trechos ou títulos de músicas nas frases.
-E esse é o meu problema?
-Um deles, é.
-Manda mais. Um só, é pouco.
-Tu quer saber mais? Tu tem pavor de te comprometer, é um covarde no tocante a relacionamentos.
-Que mais?
-Tu... Tu tá pensando que eu sou tua palhaça, é? Vai se lascar. Pega essa tua ironiazinha e engole, é por isso que não dá pra conversar contigo, tu te fecha numa redoma de sarcasmo toda vez que recebe uma crítica.
-Sério que tu acha isso?
-Acho nada, "benzinho", eu sei.
Terminaram. Não por causa da ironia, do sarcasmo ou da covardia emocional dele, nem dos acessos de fúria, do ciúme ou dos trechos de músicas dela.
Foi por causa do "benzinho".
Quando ela falou "benzinho", ambos ouviram as aspas. Não há relacionamento que sobreviva á um "benzinho" com aspas audíveis.

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